'Tive um AVC aos 13 anos de idade': casos da doença e de óbitos aumentam entre jovens no Brasil
Um estudo recém publicado pela revista científica Neurology Journals, da American Academy of Neurology, revela que 15% dos casos de Acidente Vascular Cerebral (AVC) no mundo ocorrem em jovens adultos (pessoas entre 15 e 34 anos). No Brasil, a Rede Brasil AVC destaca que 18% dos casos afetam essa faixa etária. "Atualmente, observamos casos de AVC em pessoas jovens com os mesmos fatores de risco que antes eram mais comuns em pessoas a partir dos 55, 60 ou 65 anos", destaca Sheila Ouriques Martins, neurologista presidente da World Stroke Organization (WSO) e da Rede Brasil AVC.
Dados do DataSus, do Ministérios da Saúde (MS), apontam que entre 1998 e 2007 houve aumentos de 64% (homens) e 41% (mulheres) nas internações de pessoas entre 15 e 34 anos que registraram a doença. Entre os anos 2000 e 2010, 62 mil pessoas abaixo dos 45 anos faleceram por AVC.
Segundo Sheila, esse aumento de casos pode ser em decorrência das mudanças climáticas e dos elevados níveis de poluição do ar, mas fatores genéticos e hereditários podem aumentar o risco da doença. "Pessoas com histórico familiar, como pais ou irmãos que tiveram AVC ou infarto (doenças similares, mas que afetam áreas diferentes), têm um risco maior de desenvolver. Por isso, é importante que essas pessoas iniciem a prevenção de forma precoce, identificando e controlando seus fatores de risco", explica.
A neurologista afirma que a doença também está ligada a um estilo de vida pouco saudável e que tem se tornado mais comum entre os jovens. "Fatores como alimentação inadequada, sedentarismo, consumo excessivo de álcool e o aumento do tabagismo, especialmente com o uso de cigarros eletrônicos, contribuem para esse crescimento. A obesidade e o estresse também são fatores de risco importantes para o AVC, e esses aspectos aumentam as chances de aparecer a doença tanto em adultos quanto em jovens", explica a neurologista.
De acordo com a Dra. Ouriques Martins, a doença é grave em todas as idades e pode ocorrer até mesmo em crianças. "A diferença é que, em pessoas jovens, geralmente há uma maior capacidade de recuperação devido à resiliência do organismo. No entanto, o impacto do AVC depende de fatores como a região do cérebro afetada e o tamanho da área comprometida, o que significa que, independente da idade, o quadro pode ser extremamente grave", conclui.
"Tive um AVC com 13 anos de idade"
A fisioterapeuta Carolina Bettoni Cavalli, de 25 anos, contou em entrevista ao Brasil de Fato RS que teve um AVC em 2012, aos 13 anos de idade. Natural de Bento Gonçalves, município da Serra Gaúcha, Carolina relata que ficou 45 dias internada com restrições na fala, nos movimentos e na capacidade de se alimentar. Nesse período, ela conseguia apenas tomar sopa. "Minha cabeça estava totalmente confusa. Para falar um 'oi, tudo bem?' não era tão simples assim. Foi uma luta!", diz a fisioterapeuta.
Logo que saiu da internação, em 14 de outubro de 2012, ela precisou ter o acompanhamento de fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fisiatras, fonoaudiólogos, neurologistas e psicólogos. Carolina conta que também encontrou bons resultados no Reiki, "uma terapia", afirma.
"Na fisioterapia encontrei uma grande paixão e um incentivo para continuar vivendo"
Com a vida amplamente impactada pela doença, Carolina relata que ao deixar o hospital, o acompanhamento dos diversos profissionais foi decisivo para que ela recuperasse sua rotina, sua autoestima e continuar querendo viver. E foi assim que encontrou na fisioterapia a sua grande paixão. "Eu me cobrava muito e fiquei com muito medo. Medo de sair na rua. O que os outros iam pensar. De manhã, eu ia para a escola. Eu era CDF [estudiosa]. Só tirava nota 10 ou no mínimo 9. Isso até a 7ª série, que foi quando tudo aconteceu. Na 8ª, quando eu retornei para o colégio, eu vi as notas baixarem para 2 ou 3", desabafa.
"Por muitas vezes eu me questionava, durante todos esses anos após o AVC, se eu iria ser um estorvo para meus familiares e amigos. Se conseguiria trabalhar um dia", conta.
Através do contato com outras pessoas que passaram pela mesma situação, Carolina viu que "não fui a única. E assim consegui seguir. E eu me apaixonei pela fisioterapia. Eu era totalmente dependente da minha fisioterapeuta. Eu usava cadeira de rodas. E eu pude pisar no chão. Hoje, eu não estou usando nenhum dispositivo", celebra Carolina, que encontrou sua vocação.
“Na fisioterapia encontrei uma grande paixão e um incentivo para continuar vivendo” / Imagem: Arquivo Pessoal
Retomada da vida e inserção social – "Eu vi que não era a única"
Bacharelada em 2022, ela agora é pós-graduada em geriatria e atua em um hospital de sua cidade ajudando outras pessoas. "É uma vitória muito significativa. Eu estou dentro do mercado de trabalho. Eu atuo dentro de um hospital da minha cidade. E é muito significativo para mim poder contar isso", comemora.
A jovem conta que através de um sistema de metas foi traçando o futuro que buscava. "Eu gosto muito de metas. Eu sempre fui uma pessoa de metas. Traço planos para seis meses, um ano e dez anos. Eu tenho costume de na semana do Natal e Ano Novo escrever em um caderno o que busco futuramente. Em 2014 eu não estava trabalhando. Eu não me via como alguém trabalhando. Eu pensava que não sabia fazer nada. E que para tudo era preciso ter as duas mãos. Eu não consigo abrir e fechar uma delas, mas de resto eu consigo. Para cortar carne eu ainda não consigo. Falar, caminhar e fazer outras coisas eu consigo. Lá no meu caderno eu botei em 2014 que seria em 2024 que eu estaria trabalhando. Era um planejamento de dez anos. E eu consegui. Eu estou trabalhando. É muito recente", diz orgulhosa.
Reabilitação e escuta terapêutica
Além de trabalhar em um hospital e ser fisioterapeuta, Carolina se tornou representante das AVCistas do Rio Grande do Sul – grupo de apoio às vítimas de AVC e seus familiares e que possui uma associação nacional. "Agora, eu trabalho vendo e ouvindo as pessoas que já tiveram AVC e eu sigo de exemplo. Na verdade, todo mundo que passa por um AVC se pergunta sobre o dia de amanhã e o que vai acontecer. Além da reabilitação, eu ajudo também as pessoas com todos esses medos, essas inseguranças e a depressão", conclui.
"Vamos vivendo um dia por vez"
"Ninguém espera ter um AVC na vida. É difícil aceitar e encarar os desafios que este acidente nos causa. Mas com a ajuda dos familiares e profissionais da área, se torna um fardo um pouco mais leve, embora muitas vezes pensemos em desistir. E, com muita força de vontade, determinação e amor e compreensão da família, vamos vivendo um dia de cada vez. Superando aos poucos os desafios encontrados e obtendo as pequenas conquistas, nos tornando independentes nos afazeres da rotina. Cada dia é único e jamais devemos desanimar e sim, ter firmeza e coragem de enfrentar os percalços da vida", finaliza Carolina.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul