Doações milionárias revelam o peso do poder econômico nas eleições municipais
A campanha eleitoral de 2024 vem sendo usada por empresas brasileiras como forma de fortalecer seus vínculos com o poder público. Embora as doações de empresas estejam proibidas desde as eleições de 2016, os maiores doadores de campanhas têm seus CPFs ligados a grandes CNPJs de diversos setores da economia. No total, até esta quinta-feira (3), foram mais de R$ 763 milhões em doações. Todas elas são legais e foram declaradas à Justiça Eleitoral.
No topo da lista de doadores está Rubens Ometto, dono da Cosan, empresa produtora de etanol e outros derivados de cana de açúcar. Foram mais de R$ 17 milhões em doações para 177 partidos e candidatos, entre eles, os diretórios nacionais do PSD, MDB, União Brasil e PSB. O candidato que mais recebeu recursos de Ometto foi o atual prefeito e candidato à reeleição em Belo Horizonte (MG), Fuad Noman (PSD).
No ano passado, o empresário anunciou novos investimentos de cerca de R$ 100 milhões em Minas, incluindo um projeto de instalação de carregadores de alta velocidade para carros elétricos na capital mineira. Também em abril de 2023, a empresa Raízen, que opera os serviços de energia renováveis da Cosan, firmou um acordo com o governo de Minas Gerais para estimular projetos de eletromobilidade no estado.
Na segunda posição do ranking de doadores, está o empresário José Ricardo Rezek, dono do conglomerado Grupo RZK, que atua nos ramos do agronegócio, energia e mídia. Ele doou R$ 4,2 milhões para 44 beneficiários. Quem mais recebeu foi o diretório estadual do PSD de São Paulo, que ficou com R$ 350 mil.
Ainda em São Paulo, desta vez na capital, um dos maiores doadores da campanha de Ricardo Nunes (MDB) é o dono da Setin Incorporadora, o milionário Antônio Setin. Ele fez uma contribuição de R$ 200 mil à campanha do emedebista e de mais R$ 1 milhão ao diretório nacional do PSD, partido que apoia a reeleição do atual prefeito.
Quem também doou ao diretório do PSD paulista foi a empresária Francine Kallas, que é dona da mineradora Cedro. Ela aportou pouco mais de R$ 1 milhão ao partido de Gilberto Kassab, atual secretário de Governo e Relações Institucionais do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), apoiador de Nunes.
Ricardo Valadares Gontijo, CEO da Direcional Construtora, doou R$ 1 milhão, dividido entre os diretórios nacionais do PSD, PDT e Solidariedade. Ricardo Annes Guimarães, presidente do Banco BMG, doou 906 mil para campanhas em Belo Horizonte, sendo 333 mil para a campanha de Bruno Engler (PL). O bolsonarista também recebeu R$ 290 mil de um dos sócios da MRV Engenharia, o empresário Eduardo Fisher.
Rubens Menin, dono MRV Engenharia, da Rádio Itatiaia e da CNN Brasil doou R$ 500 mil para a campanha de Fuad Noman, e outros R$ 200 mil para a candidata a vereadora do Partido Novo, Fernanda Altoé. O filho, Rafael Menin, CEO da MRV Engenharia, doou mais R$ 477 mil para diretórios e candidatos a vereador de BH.
Para Guilherme France, gerente de Pesquisa e Advocacy da Transparência Internacional Brasil, os números mostram como o poder econômico ainda exerce forte influência sobre os resultados eleitorais.
“A gente vê que doadores individuais com rendas altas continuam capazes de doar, mesmo dentro do limite de 10% da renda do ano anterior, valores capazes de desequilibrar as disputas políticas. Especificamente em um cenário de disputa municipal, ainda por cima, é muito plausível. É que são pessoas com rendas completamente grandes, milionários, que tem condições de financiar 50, 60, 70% de uma campanha municipal numa cidade pequena ou média, e assim sobrepor-se a outras candidaturas, desequilibrando a disputa”, avalia.
Para France, a proibição de doações por empresas, em 2016, acabou provocando um efeito contrário ao pretendido, já que não há mais a possibilidade de vincular de forma automática uma determinada doação a um setor econômico interessado, tendo agora que cruzar dados para entender a vinculação de um determinado CPF a uma empresa específica.
“Isso significou, na verdade uma perda de transparência sobre os interesses por trás da doação, porque anteriormente, quando uma empresa, por exemplo, do setor de mineração, fazia uma doação para um candidato, uma candidata, a gente tinha ali uma informação direta de que ao menos aquele recurso tinha relação com o interesse do setor da mineração. A gente poderia, eventualmente, acompanhar o desempenho, as votações, as propostas apresentadas por aquele candidato. Então era mais fácil fazer a conexão com o interesse por trás da doação, o interesse político, e o candidato ou candidata que se beneficia dessa doação”, destaca.
O representante da Transparência Internacional avalia que a proibição de doações privadas não resultaria numa maior democratização dos recursos, já que as próprias agremiações partidárias não possuem critérios transparentes e democráticos de distribuição desses recursos. France defende a adoção de um valor fixo como limite para as doações individuais, que hoje estão limitadas a 10% da renda bruta declarada à Receita Federal no ano anterior às eleições.
“Se a gente restringe a doação daquele indivíduo a um valor fixo, eventualmente, ele vai fazer aquela doação através seus familiares, amigos, laranjas. Então é claro que ser a gente dá um passo no sentido de restringir, a gente tem que se preocupar também com os métodos de fiscalização razoáveis e adequados que possam efetivamente dar resultado para a restrição pretendida”, pondera.
“Um cenário é ideal seria que muitas pessoas doassem valores pequenos para vários candidatos, aos candidatos com quem as pessoas tenham algum tipo de atuação, ou seja, é também uma forma de demonstração de afinidade política e eventualmente até de participação no processo eleitoral e no processo de político”, conclui.
Todas as informações de valores relativos a doações de pessoas físicas e aos gastos de campanha eleitoral são informações públicas, disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral.