Vereadores cassados por fraudar cota de candidaturas femininas voltam à disputa em 2024
Em 2020, após as eleições municipais, o Psol Minas e o Psol BH entraram com ações na justiça eleitoral por descumprimento da legislação em relação à cota de mulheres nas chapas proporcionais dos partidos PRTB e do Pros.
O art. 10, § 3º, da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97) estabelece que, nas eleições proporcionais, cada partido deve apresentar no mínimo 30% e no máximo 70% de candidaturas para cada gênero. A fraude às cotas consiste na apresentação de candidaturas fictícias, mulheres sem intenção ou chances de eleição, que somente estão na lista para atender ao aspecto formal e numérico da regra.
No final de 2023, o Tribunal Superior Eleitoral reconheceu a fraude na ação contra o PRTB, e no início de 2024, a partir do recurso do Ministério Público Eleitoral, na ação contra o PROS. Entendeu-se que as candidatas das chapas só foram registradas pelos partidos para observar a cota de gênero, sem a intenção real de disputar o cargo.
Os julgamentos determinaram:
• a cassação de todos os candidatos vinculados ao Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) do Diretório Municipal do PRTB e do PROS na capital mineira;
• a declaração de inelegibilidade das mulheres cujos dados foram utilizados para lançar candidaturas falsas com o objetivo de burlar a lei;
• a nulidade dos votos obtidos pelas chapas proporcionais, com o recálculo dos votos dos quocientes eleitoral e partidário;
• o cumprimento imediato da decisão, independentemente de publicação do acórdão.
Com isso, os então vereadores eleitos pelo PROS César Gordin e Wesley Moreira, bem como o vereador pelo PRTB Uner Augusto, perderam o mandato. No entanto, os três retornam como candidatos à vereança de Belo Horizonte em 2024.
Homens impunes
Chama a atenção e exige reflexão, que a penalização mais severa da fraude, a declaração de inelegibilidade, só atinja as mulheres usadas como candidatas fictícias, enquanto os homens, dirigentes e candidatos, que também praticaram o ilícito eleitoral e usufruíram de grande parte do mandato, permanecem com todos os seus direitos políticos intactos, se candidatando novamente para a Câmara Municipal de Belo Horizonte.
A jurisprudência predominante entende hoje que a inelegibilidade só é imposta quando há provas de participação, consentimento ou conhecimento da fraude. Mas como os atores diretamente responsáveis por apresentar os documentos fraudados, os dirigentes que constroem as listas de candidaturas e fazem o registro, não teriam conhecimento?
Ainda, conforme demonstrado nos processos, algumas das candidatas fictícias fizeram campanha para os vereadores cassados, além de terem ligações com assessores deles, o que indicava envolvimento na fraude.
Já as candidatas, cujo papel no esquema se aproxima mais ao de uma vítima, já que seus dados e imagem são usados para favorecer terceiros, sofrem a sanção mais grave.
Acreditamos que seja importante uma revisão no entendimento da justiça eleitoral, na perspectiva da garantia efetiva do direito das mulheres de participarem dos processos eleitorais, e da responsabilização dos reais responsáveis pelas fraudes às cotas de candidaturas femininas, que sabemos ser a resistência partidária masculina à inclusão das mulheres e à igualdade de gênero.
* Nicole Porcaro e Thais Corcetti são advogadas e Marlise Matos é do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre Mulher (NEPEM/UFMG)
** Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato
Fonte: BdF Minas Gerais