Taxar super-ricos pode abrir caminho para via de crescimento que rompa com projeto neoliberal
Desde o início da fase neoliberal do sistema capitalista, tem-se registado um aumento sem precedentes na desigualdade da riqueza e de renda. Este aumento da desigualdade é, ao mesmo tempo, a consequência e a razão de ser da fase neoliberal do sistema capitalista, ou seja, o aumento do desemprego, do subemprego e da precariedade, visando alcançar a estabilidade dos preços.
O principal componente deste aumento da desigualdade é o aumento da fatia dos super-ricos (bilionários e multimilionários) no rendimento e na riqueza. A desigualdade salarial entre os trabalhadores com salários altos e aqueles com salários baixos é, em termos de ordem de grandeza, inferior ao componente principal do aumento da desigualdade citada acima, devido ao aumento dessa fatia dos super-ricos na riqueza e na renda.
Mas a desigualdade salarial é indevidamente enfatizada pelos adeptos do projeto neoliberal para tentar justificar o aumento da desigualdade de renda e de riqueza, alegando que esta tendência é o preço a se pagar por uma maior inovação.
No entanto, esta afirmação é contrária a considerações elementares da macroeconomia. A inovação viável no sistema capitalista é um resultado complexo da interação entre demanda, pesquisa e desenvolvimento — cujo componente público tende a absorver o componente privado —, sob a orientação de uma política industrial que opera em um determinado quadro da política econômica internacional.
Uma demanda avessa à inovação
Desde a década de 1970, especialmente após a dissolução da União Soviética, que foi o principal rival tecnológico autônomo dos EUA até 1991, as despesas com pesquisa e desenvolvimento dos EUA relacionadas à produção sofreram uma queda em relação ao período desde 1945, com consequências negativas para a pesquisa e desenvolvimento privados.
No entanto, o avanço tecnológico da China, especialmente no século 21 — impulsionado principalmente pela investigação e desenvolvimento públicos —, deu origem a apelos para que a pesquisa e desenvolvimento públicos nos EUA retomassem novamente a sua produção.
Mas as tendências na demanda macroeconômica tornaram-se avessas à inovação devido a dois fatores interligados. Em primeiro lugar, o nível necessário de desemprego, subemprego e precariedade atingiu um patamar que permite a estabilidade dos preços. Isso implica a atenuação da gestão de demanda macroeconômica através de uma política fiscal anticíclica, que é imposta através do domínio do capital financeiro internacional, onde o projeto neoliberal é hegemônico.
Em segundo lugar, o conflito estratégico entre os EUA e a China (e a Rússia) reduziu o âmbito das exportações que impulsionam a demanda macroeconômica.
Por conseguinte, as perspectivas de inovação na fase neoliberal do sistema capitalista são, na melhor das hipóteses, pouco claras. Além disso, o aumento da desigualdade de renda tende a agravar a desaceleração da demanda macroeconômica, uma vez que esta redistribuição regressiva reduz a demanda de consumo dos trabalhadores mais do que o aumento do consumo (proporcionalmente menor), resultante da maior magnitude dos lucros.
Do mesmo modo, a tendência crescente na desigualdade de riqueza implica uma pressão maior sobre o setor de pequena escala, cuja produção tende a ser relativamente intensa em mão de obra, resultando numa desaceleração maior da demanda macroeconômica.
Duas soluções possíveis
Em resposta à crescente desigualdade de renda e riqueza, tem-se argumentado que um imposto progressivo sobre a renda, retenção de patrimônio e herança dos super-ricos, é necessário para financiar as despesas públicas destinadas a estimular a demanda, a produção, o investimento e o emprego.
Os defensores do projeto neoliberal argumentam rapidamente que isso reduziria a inovação, pouco eficientes na fase neoliberal, como demonstrado nos parágrafos anteriores.
O segundo argumento dos defensores é afirmar que estes impostos sobre os super-ricos levarão os multimilionários e bilionários a abandonarem os países com tais impostos, para irem a outros lugares que são, de alguma forma, paraísos fiscais.
Esta afirmação pode ser abordada de duas formas. Em primeiro lugar, os governos de todos os países poderiam chegar a um acordo sobre uma taxa mínima de imposto sobre renda e patrimônio dos super-ricos, com um mecanismo adequado de redistribuição das receitas fiscais entre os países para inibir a arbitragem fiscal.
A falta de tração de propostas relacionadas com a tributação mínima das empresas demonstra que não estão reunidas as condições necessárias para a execução de uma proposta em termos de política econômica internacional.
Em segundo lugar, o governo de um país que instituísse impostos sobre a renda e a riqueza dos super-ricos poderia criar uma regulamentação de saída do país semelhante aos controles de capitais sobre os fluxos de investimento em carteiras estrangeiras.
Consideremos um exemplo estilizado para demonstrar este fato. Esta condição implica que a rentabilidade após os impostos é mais elevada no país de origem do que no país estrangeiro, devido à existência de um imposto de saída.
Expliquemos em termos de um exemplo matemático. Seja o valor do patrimônio de 100 e a taxa de retorno de 5%. Vamos pensar, agora, que a taxa de tributação do patrimônio dos super-ricos seja de 2%. Se os super-ricos permanecerem no seu país de origem, no final do período em questão, o seu patrimônio sem cobrança de impostos será de 105.
Agora, após pagar o imposto de 2% sobre o seu patrimônio, os super-ricos ficarão com 105 menos 2,1, que resultaria em 102,9. Se eles optarem por sair do país, pagarão um imposto de saída de, digamos, 3%, e ficarão com 97. Com isso, obterão um rendimento de 5%, o que os deixará com 101,85. É evidente que os super-ricos ganharão se permanecerem no seu país de origem.
Se as taxas de retorno em dois países forem diferentes, a taxa de tributação por saída pode ser ajustada de forma adequada que seja sempre “racional” para os super-ricos permanecerem no país de origem.
Investimento das receitas tributárias
As receitas provenientes da tributação da riqueza podem ser direcionadas pelo governo das seguintes formas: primeiro, efetuar transferências para os trabalhadores que, por sua vez, as gastarão. Em segundo lugar, instituir um programa de garantia de emprego que pode ser projetado para aumentar a magnitude da realização de infraestruturas sociais e físicas. E, em terceiro lugar, aumentar a pesquisa e o desenvolvimento públicos — que, por sua vez, atrairão a pesquisa e o desenvolvimento privados — para melhorar a sustentabilidade ecológica.
Estas três formas de investir as receitas provenientes da tributação dos super-ricos deixarão os lucros agregados inalterados a curto prazo. Mas, ao longo do tempo, aumentarão o seu grau de capacidade e, por conseguinte, o investimento e lucros agregados. Assim, a tributação dos super-ricos pode ser utilizada para financiar uma via de crescimento que rompe com o projeto neoliberal.
*C. Saratchand é professor do departamento de economia da Faculdade de Satyawati, da Universidade de Deli, na Índia.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a posição editorial do Brasil de Fato.
Tradução: Karolina Monte