Onde estão as mulheres na política? É preciso enfrentar a colonialidade e o patriarcado para a política também ser feminina
Não há democracia sem mulheres na política. É mais do que urgente debatermos ações que garantam a maior participação feminina no poder. Somos uma nação de 104 milhões de mulheres, o que corresponde a 51% da população brasileira. Precisamos de leis escritas por mulheres e para mulheres. No entanto, desde o início da República, em 1889, o país teve uma única presidenta, Dilma Rousseff, e 16 governadoras mulheres. Dessas, só oito foram eleitas para o cargo. As demais eram vice-governadoras que ocuparam o posto com a saída do titular.
Os dados revelam a nossa história em uma sociedade patriarcal. Superamos o colonialismo, mas ainda precisamos enfrentar a colonialidade. E a questão de gênero é fundamental na busca dessa reparação. Gênero e raça, precisamos dizer. Afinal, sempre foi um projeto que não fôssemos parte da política. Vejam só: apenas com o Código Eleitoral de 1932, há 90 anos, o voto feminino foi autorizado em todo o Brasil.
Hoje, na Câmara dos Deputados, há 423 homens e 90 mulheres. Ou seja, mais de 80% de homens. Se grande era o que nos afastava de participar da vida política, maior ainda foi a nossa vontade, nosso enfrentamento e nosso desejo de representar nossas lutas e dores. Mas sabemos que não é fácil. Somos constantemente vítimas de violência de gênero no parlamento. Desde quando ingressei na política, foram várias ameaças de morte das milícias e de grupos de ódio, o que limita o exercício pleno do meu mandato. Se antes eu podia circular livremente, agora preciso andar em um carro blindado e com escolta 24 horas.
Essa violência nos adoece e mata. Marielle Franco não está mais aqui entre nós. Minha querida colega, a deputada estadual Renata Souza (PSOL/RJ) — que está grávida — recebeu recentemente ameaças de morte por e-mails. As intimidações foram encaminhadas também para o correio eletrônico de sua equipe. O conteúdo foi assinado supostamente por um homem e possui trechos racistas e misóginos. “Macaca vagabunda” e “puta preta”. Não há limites para a violência. Mas nenhum tipo de ameaça pode ser naturalizado.
Nas eleições de 2024, as mulheres são apenas 1 em cada 5 pré-candidatos às prefeituras das capitais. Ao menos 172 pré-candidatos são cotados para concorrer à prefeitura nas capitais dos 26 estados. Destes, apenas 37 são mulheres, o equivalente a 20% do total. Para além das capitais, de acordo com o último censo das prefeitas brasileiras — realizado pelo Instituto Alziras, as prefeitas são poucas e governam os municípios menores e mais pobres, que abrangem somente 9% da população.
E, como se não bastasse esse número irrisório de mulheres no poder, a Proposta de Emenda à Constituição 9 — que perdoa partidos por não cumprirem cotas para candidaturas de mulheres e negros — foi aprovada nesta última quinta-feira, dia 11/07. É um retrocesso! Temos uma sub-representação imensa de mulheres na política. Somos apenas 18% no Congresso Nacional. Mulheres comandam apenas 12% das prefeituras brasileiras, embora sejamos a maioria do povo. Mulheres negras nem se fala. Isso deixa a democracia torta. Pautas importantíssimas como creche integral, enfrentamento à violência contra a mulher, como espaços de cuidados nas cidades são invisibilizadas. Por isso, repudiamos essa anistia e continuamos na luta por políticas públicas que ampliem a participação feminina e negra na política.
Se o ritmo do aumento do número de mulheres prefeitas verificado entre 2016 e 2020 for mantido, a expectativa é de que o Brasil leve 144 anos para alcançar a igualdade de gênero. A baixa representatividade de mulheres e pessoas negras nas esferas do poder público é, portanto, um grave problema político a ser enfrentado com urgência.
Em minha cidade, Niterói, 54,19% do eleitorado é feminino e nunca teve uma mulher prefeita, por exemplo. Atualmente, são 21 vereadores e uma vereadora apenas. E, como se não bastasse o número inferior de mulheres na nossa Câmara Municipal, um jornal local, que ao fazer uma matéria sobre a ausência de mulheres na política niteroiense, me apresentou como “evoluída eleitoralmente em função do assassinato da minha amiga, a vereadora carioca Marielle Franco” no último mês de junho.
Eu fui a vereadora mais votada na história da cidade em 2016. No mesmo ano, Marielle foi a quinta mais votada da capital. Depois fui eleita com mais de cem mil votos para deputada federal e reeleita com quase 200 mil votos em 2022. Atrelar minha atuação política à execução política feita pela milícia revela como o patriarcado e o desrespeito às mulheres ainda estão presentes, além da falta de apuração do profissional. Isso pode ser traduzido como exemplo de “mau jornalismo” ou de “jornalismo parcial”.
Segundo o TSE Mulheres, entre 2016 e 2022, o Brasil teve, em média, 52% do eleitorado constituído por mulheres, 33% de candidaturas femininas e 15% foram eleitas. No mesmo período, o estado do Rio de Janeiro teve 603 candidaturas femininas e apenas 11,4% das mulheres foram eleitas. Olhando para um mundo não muito distante do nosso, somente agora, em 2 de junho, a América do Norte passou a ter sua primeira presidenta: Claudia Sheinbaum, no México.
Para mudarmos essa realidade absurda, é fundamental o estímulo ao lançamento de mais candidaturas femininas, especialmente de mulheres negras, indígenas e de identidades LGBTQIA+. Também é essencial a garantia de recursos financeiros para o financiamento das campanhas; ações educativas para combater a desigualdade de gênero; e ações afirmativas, como a reserva legal de cotas para mulheres em alguns cargos.
Queremos ver cada vez mais mulheres na política. Inclusive, saúdo os meus adversários em Niterói — uma vez que sou pré-candidata a prefeita da cidade — que fizeram escolhas de vices mulheres. Mas precisamos muito mais do que mulheres vice. Está na hora de avançarmos no direito de todas as mulheres para garantirmos creche; preventivo no SUS; prevenção de câncer no colo de útero e a prevenção de câncer de mama; e direito à moradia. Já passou da hora do poder político ser também feminino. Não tenho dúvida que esse é o momento. Está na hora das mulheres terem a caneta na mão e liderar os processos políticos nas cidades Brasil afora.
Talíria Petrone é deputada federal (PSOL/RJ), coordenadora do Grupo de Trabalho (GT) do Clima da Frente Parlamentar Ambientalista e vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. Historiadora formada pela UERJ, é também mestre em Serviço Social e Desenvolvimento Regional pela UFF.