Eleições 2024: aprendendo com o resultado de hoje para não repeti-lo amanhã
Passado o primeiro turno das eleições municipais, vimos muitas análises e conclusões sobre os resultados. Algumas bem elaboradas e profundas, outras bastante apaixonadas, tendenciosas, superficiais e umas até com distorções dos dados. Boa parte tende a destacar o que lhe convém, seja do ponto de vista ideológico, partidário e até pessoal. Faz parte do jogo.
Apresento uma breve contribuição, reconhecendo que uma análise como esta jamais poderia ser plenamente neutra. Enquanto um progressista, comprometido com a redução das desigualdades, a promoção das liberdades e o combate à pobreza, compartilho alguns aspectos que julgo importantes.
Cada município é um universo
Horas depois do resultado, ao receber avaliações globais e sínteses do resultado nos quase 5,6 mil municípios brasileiros e olhando puramente para os números, tendemos a fazer conclusões genéricas sobre quem saiu vitorioso ou derrotado. Mas, dada a diversidade e as particularidades dos contextos territoriais, precisamos observar o que acontece de diferente entre as pequenas, médias e grandes cidades.
É visível que as metrópoles estão mais sujeitas ao impacto das plataformas e a campanha no ambiente digital tem um peso maior. Também se torna mais relevante o lugar ideológico e a identidade partidária, pois parte significativa do eleitorado vota com base nesses aspectos.
Nas cidades com até 100 mil habitantes, a relevância individual do candidato aumenta, a força da máquina pública, a destinação de emendas parlamentares e do poder econômico ganham ainda mais relevância e as composições partidárias são mais flexíveis, a ponto de vermos partidos de esquerda e até de extrema direita juntos em torno de projetos pessoais.
Portanto, para compreender a dinâmica eleitoral e seus efeitos, precisamos considerar as dimensões e os aspectos da cultura política dos micro e macro territórios.
A influência partidária, das igrejas, do rádio e da TV, das plataformas digitais, dos movimentos sociais e dos agentes econômicos varia muito a depender da realidade. Portanto, ganhar ou recuperar espaço político, especialmente para quem saiu derrotado, vai exigir estratégias segmentadas que dialoguem com cada nível territorial.
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Na prática, isso significa que não há receita única para a reversão do quadro geral. Há que se criar estratégias diversificadas. Isso exige planejamento, formação, análise, método, disciplina, comunicação atualizada e trabalho de base. Coisas que um dia os partidos progressistas já souberam fazer.
A antipolítica é real, tende a crescer e liga um alerta
Mesmo com todo amor e respeito que temos à democracia, reconhecendo os grandes avanços que a Constituição de 1988 trouxe para o país e as conquistas que o povo brasileiro alcançou com a implementação de políticas públicas nas últimas décadas, precisamos admitir que nosso sistema político ainda deve respostas ao povo.
A persistência da fome, de uma desigualdade brutal e da exclusão de uma parcela significativa da população de direitos fundamentais, somada ao uso do poder para benefícios pessoais, ao sentimento de frustração e à ausência de uma educação política, produzem aversão de boa parte da população ao que denominamos "político". Nos mais jovens, isso parece se intensificar ainda mais. Esta pode ser uma explicação para o deslocamento da política para a moral, favorecendo a não-política no próprio jogo político e a fuga ideológica.
Soma-se a isso o esgotamento de muitos cidadãos diante da guerra de falsas informações, da lacração, do ódio político, das cenas arquitetadas e de uma gritaria que cansa até mesmo quem se interessa pelo processo eleitoral.
Essa conjuntura explica parcialmente a alta abstenção, os votos nulos e a escolha do "quanto pior, melhor". Parte dos votos se torna uma espécie de protesto contra o próprio sistema.
Esse movimento já vem de antes, de Tiririca passando por Bolsonaro, chegando a Pablo Marçal. Entre verdadeiros e falsos outsiders, a diferença são os métodos, Marçal foi inovador no uso das novas tecnologias, o que precisa ser reconhecido. Mas também liga o alerta da Justiça, que passa a ser mais exigida nas respostas aos crimes de fake news e abuso do poder econômico que essa nova realidade potencializa.
Que centro é esse?
Novamente, os partidos ditos do centro e da centro direita são os que mais elegem prefeitos.
Nesse contexto, destaque para o PSD, o MDB e o União Brasil, formado pela fusão do antigo DEM (PFL) e PSL. Boa parte dos candidatos dessas legendas construiu o que chamamos de Frente Ampla, aliando-se a partidos tanto da direita quanto da esquerda. Em alguns casos, sua vitória serviu de contenção ao extremismo, como no caso do Rio de Janeiro.
Mas o que ajuda a explicar essa tendência é a opção de uma parte da população em não se vincular ideologicamente. Muitas dessas legendas não deixam claro qual é o seu projeto e focam na capacidade pessoal de seus candidatos aliada à força de seus fundos eleitorais. Isso reflete o que muitas vezes ouvimos nas ruas, de eleitores que dizem votar em "pessoas" e não em partidos.
Isso também explica, em parte, por que a polarização federal nem sempre vai se refletir no contexto municipal e vice-versa.
A disputa local é menos contagiada por polêmicas e temas que incidem com mais força no debate nacional, embora muitos candidatos apostem na vinculação com grandes lideranças para alcançar sua base eleitoral. Mas a percepção é de que quem está mais presente no dia a dia da cidade tende a ser mais lembrado e ganhar adesão. Especialmente nas pequenas, ainda conta muito a tradicional combinação "saliva" e "sola de sapato". Aquele caderninho com nome, telefone e endereço dos eleitores continua fazendo a diferença. Um bom café com os moradores de um bairro pode repercutir mais do que uma montagem de foto com governadores e presidenciáveis.
E essa capacidade de estar no meio do povo com simplicidade, humildade e conexão é algo que precisa ser recuperado pelos progressistas, muitas vezes interessados em dar lições complexas ao eleitorado.
"O voto não é uma escolha meramente racional, mas fundamentalmente emocional". / Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE
Ignorando ex-aliados e falando fácil
Também vale destacar algumas vitórias de partidos da extrema direita em capitais e cidades médias como consequência do envolvimento direto de lideranças deste campo, em especial do ex-presidente e sua família, atropelando inclusive candidatos da direita que o apoiavam até ontem.
Por não ter mais a amarra da governabilidade, foi fácil ignorar os partidos da antiga base aliada para fortalecer a legenda própria e garantir fiéis escudeiros em prefeituras importantes pelos próximos 4 anos. Isso comprova a estratégia bolsonarista de ampliar sua base no Congresso em 2026 para emplacar sua agenda na próxima legislatura.
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Os partidos e lideranças da extrema direita seguem trabalhando fundamentalmente com mensagens e ideias de fácil compreensão ao eleitor, como Deus, família e temas morais, utilizando sentimentos como o medo e o ódio para atrair voto. Isso representa um grande desafio para democratas e progressistas, que muitas vezes falam difícil e estão mais preocupados com métodos e teses.
Quem não aprender a falar a língua do povo está fadado ao desaparecimento político. Mais ainda, é preciso reconhecer que o voto não é uma escolha meramente racional, mas fundamentalmente emocional. Precisamos associar as emoções às causas sociais de interesse coletivo.
Sobrevivência, unidade e ampliação
Por fim, ao olhar para as vitórias, derrotas e chegadas por pouco ao segundo turno, fica uma lição evidente para os progressistas: onde não houver unidade entre partidos e lideranças deste campo e uma busca por ampliação, a derrota será uma certeza.
Disputas internas, impasses entre tendências, intransigência para marcar posições fragmentadas, ausência de planejamento no médio e longo prazo, falta de pesquisa e análise de conjuntura têm sido erros comuns diante de um cenário em que a democracia e a possibilidade de retrocesso estão em jogo.
Quanto à ampliação, não se trata de abrir mão dos valores universais pelos quais os progressistas sempre lutaram, como o combate à pobreza e à desigualdade, a liberdade e a justiça. Mas, sim, de alcançar setores sociais com os quais perdeu ou nunca conseguiu estabelecer diálogo.
O que temos a propor para os trabalhadores informais, de aplicativos e autônomos? Qual será nossa proposta para pequenos e microempreendedores, que são mais de 70% dos negócios no País? Como alcançar os cidadãos evangélicos, que precisam ser enxergados enquanto povo e não "fenômeno sociológico"? Como recuperar parte da agricultura familiar, capturada pelas emendas parlamentares da extrema direita? Como falar com os jovens que não militam no movimento estudantil, os servidores públicos que não estão sindicalizados e tantos outros segmentos que não participam dos modelos tradicionais de organização da sociedade civil?
Responder de forma prática a estas e outras questões é uma questão de sobrevivência.
*Leandro Grass é professor, sociólogo, mestre em desenvolvimento sustentável e gestor cultural. Foi deputado distrital entre 2019-2022 e candidato ao Governo do DF pela Federação Brasil da Esperança (PT-PV-PC do B) e ficou em segundo lugar. Atualmente preside o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato – DF.
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Fonte: BdF Distrito Federal