Caso de perseguição da Lava Jato ao almirante Othon é tema de reunião do Conselho de Direitos Humanos
A biografia do almirante e físico Othon Luiz Pinheiro da Silva está intimamente ligada ao programa nuclear brasileiro independente – e aos custos que o processo lhe acarretou. Conhecido como "Programa Paralelo", buscava, independentemente do Programa Brasil-Alemanha, alcançar o domínio do ciclo de combustível nuclear que envolve tecnologias sensíveis, prometidas pela parceria com a Alemanha, mas obstada por pressões internacionais.
Incumbido de iniciar os primeiros estudos para autonomia na área de enriquecimento para abastecimento de usinas nucleares, inclusive a necessária para a propulsão nuclear, o engenheiro naval liderou, a partir de 1979, o Programa Nuclear Paralelo na Marinha.
O projeto resultou, entre outras conquistas, no desenvolvimento de uma tecnologia nacional para enriquecimento de urânio pelo método de ultracentrifugação que é, até hoje, a tecnologia mais competitiva no nível mundial. O programa foi alvo de espionagem da CIA durante os anos 1980 e motivo de inquietações diversas aqui e no exterior – ao ponto de gerar investigações e inquéritos. Hoje, o país é um dos únicos capacitados a construir um submarino nuclear e a dominar, para fins pacíficos, o ciclo do combustível.
Em julho de 2015, enquanto estudava a viabilidade de uma mini usina hidrelétrica – capaz de gerar eletricidade com queda d’água de apenas um metro de altura –, Othon Luiz entrou na mira de novas investigações, dessa vez, na 16ª fase da Lava Jato. Por ordem do juiz Sérgio Moro, o almirante, então presidente da Eletronuclear, foi preso na Operação Radioatividade, suspeito de ter recebido a quantia de R$ 3,4 milhões em propina do consórcio de empreiteiras que venceu a licitação para a construção de Angra 3, entre os anos de 2007 a 2015.
A "propina" seria o pagamento de um trabalho de consultoria técnica realizado pelo cientista para a construtora Andrade Gutierrez. Segundo a professora e advogada Vera Almeida, o juiz desconsiderou os estudos de Othon e não consultou outro cientista nuclear para verificar se o trabalho desenvolvido por ele correspondia ao custo que lhe foi pago. "Isso remete a algumas previsões legais que se referem à isenção de licitação para contrato de serviços quando o profissional contratado é reconhecido por seu alto conhecimento científico, não havendo no mercado ninguém que esteja à sua altura", explica. "O próprio STF já decidiu também que é isento de imposto de renda o serviço de consultoria baseado no mesmo critério do conhecimento científico exclusivo de um profissional".
Preso preventivamente – após delação premiada de Dalton Avancini, ex-executivo da Camargo Corrêa que respondia a processo criminal relativo à Petrobras e que logo após essa colaboração, foi liberado –, Othon permaneceu 601 dias entre prisões em Curitiba e no Rio de Janeiro, em virtude das inúmeras operações e investigações que foram instauradas pelas varas criminais de cada cidade, ambas responsáveis pelos processos da Lava Jato. Delações premiadas e desmembramento do caso em diversas ações penais foram algumas das táticas de lawfare adotadas pela Lava Jato.
Posteriormente, o almirante foi julgado pelo juiz Marcelo Bretas e condenado a 43 anos de prisão, até então a maior pena da operação. A colaboração premiada foi usada mais uma vez, com a delação de seis executivos da Andrade Gutierrez, também réus no processo. No julgamento de recurso, em 2022, sua pena foi reduzida para 4 anos e 10 meses.
Decorridos quase dez anos do início da perseguição judicial e midiática – que inclusive expôs uma pessoa com idade avançada ao uso de algemas, durante sua prisão realizada em sua própria residência, e à transferência de presídio que o impediu de se comunicar com sua esposa enferma –, o almirante continua com sua vida interrompida, respondendo a cinco processos conexos, submetido a medidas cautelares e com seus bens bloqueados. Em face dessas restrições, ele se encontra impossibilitado de se defender judicialmente.
Hoje, aos 85 anos de idade, o almirante Othon está livre, mas enfrenta um câncer. Ele assistiu a sua própria filha, Ana Cristina, ser processada e condenada a sete anos de prisão (depois absolvida) e, por fim, assistiu também a sua esposa falecer recentemente.
Marcelo Bretas, por sua vez, se encontra afastado por suspeita de parcialidade e respondendo a processo instalado por decisão unânime do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Em decorrência da gravidade dos fatos e devido à urgência da situação, a Rede Lawfare Nunca Mais criou no final de junho um grupo de apoio ao engenheiro naval, promovendo, entre outros atos, um abaixo-assinado endereçado ao presidente Lula, que contou com assinaturas de representantes de instituições científicas e universitárias e de entidades de direito e engenharia.
No dia 12, a Rede Lawfare participa da 82ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), em Brasília, cujo tema é O uso do sistema jurídico em nosso país para fins de perseguição à ciência: o caso do Almirante Othon. No encontro, serão discutidas propostas para a solução do caso.
Após o evento, integrantes do grupo pretendem homologar a carta de apoio ao cientista e entregá-la ao presidente da República. Segundo o teor do texto, a guerra por meio do direito em consórcio com a mídia corporativa – lawfare – no caso do Almirante Othon, teve como objetivo impedir que o Brasil atingisse a soberania energética, especificamente, no ciclo de combustível nuclear e na capacidade de construção de reatores nucleares.
*Sérgio Barbo é jornalista e artista gráfico e atua no mercado editorial desde os anos 1990. Trabalhou e colaborou com as revistas Bizz, Superinteressante, Primeira Leitura, Rolling Stone e Billboard, com os jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde, além dos sites Som Livre, Usina do Som e Napster.
**Este é um artigo de opinião e não reflete necessariamente a linha editorial do Brasil de Fato.