Por que é importante concluir as negociações para cessar-fogo em Gaza antes do Ramadã?
Há pressa entre os negociadores envolvidos na tentativa de mediar o conflito entre Israel e o Hamas para chegar a um cessar-fogo para a entrada de ajuda humanitária em Gaza e a troca de reféns. Todos os envolvidos ressaltam que o prazo com que trabalham é o do início do Ramadã, o mês sagrado dos muçulmanos, que este ano começa na noite do próximo domingo (10).
O Ramadã é o período mais importante da religião islâmica, ocorrendo cada ano em uma data diferente, seguindo o calendário lunar. Durante o período, pede-se aos fieis que se dediquem à leitura do Alcorão e se abstenham de prazeres terrenos, especialmente durante o dia.
"É um mês de esforço para reforçar a espiritualidade. Não se pode comer ou beber água durante o dia, como forma de sacrifício", diz Mohammed Nadir, coordenador do Laboratório de Estudos Árabes da Universidade Federal do ABC (UFABC). "Mas também é um momento de união e fraternidade, quando as famílias se juntam ao por do sol para quebrar o jejum", explica ele.
"Para o povo de Gaza, já tão massacrado, a trégua é fundamental para que ao menos tenham comida e água potável. Atualmente, mães não conseguem alimentar seus filhos", diz ele.
Para Sâmia Teixeira, jornalista de nacionalidades brasileira e palestina e assessora de comunicação do bar que se tornou reduto palestino em São Paulo, o Al Janiah, a data chega a ser mais simbólica para os muçulmanos do que o Natal para os cristãos.
"Eu diria que é mais importante, eles vivem isso num nível muito mais engajado que os cristãos no Natal, e muito mais em comunidade do que eles, que costumam celebrar em família. Muçulmanos celebram o Ramadã em comunidade. e sem esquecer que eles já tiveram o Natal violentado. Os palestinos cristãos [cerca de 6%] estiveram na mira no último Natal também", lembra ela.
Negociações
Há divergências sobre o quão adiantadas estariam as negociações na capital do Egito, Cairo, que ocorrem mesmo sem a presença de negociadores israelenses. Por um lado, fontes dos EUA dizem que Israel "mais ou menos" teria concordado com os termos acertados até agora. Mas do lado palestino, o representante do Hamas Basem Naim disse que "Netanyahu não quer acordo. A bola está agora com os estadunidenses".
A proposta na mesa prevê uma trégua de seis semanas para a entrada de ajuda humanitária. A ONU afirma que quase a totalidade dos mais de dois milhões de habitantes de Gaza passa fome, não tem água potável ou remédios – isso em um contexto em que há milhares de feridos e os hospitais foram bombardeados por artilharia israelense. Muitas cirurgias sérias, como amputações, são feitas sem anestesia.
Um dos pontos que estaria travando o acordo é o fato de o Hamas não apresentar uma lista atualizada de reféns israelenses em seu poder. Quando dos ataques de 7 de outubro de 2023, o grupo capturou mais de 200 pessoas, levando-as para Gaza.
Analistas calculam que representantes do grupo no exterior possam ter dificuldades de comunicação com integrantes dentro de Gaza. Outra possibilidade é que os reféns tenham sido entregues a outros grupos militantes do território palestino, como a Jihad Islâmica, mais radical que o Hamas.
ONU
Pressionado pelos EUA a aceitar a trégua, Israel preferiu voltar a acusar a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA, na sigla em inglês) de envolvimento nos ataques de outubro. Na última segunda (4) Israel causou o órgão de empregar "mais de 450 terroristas".
Phillipe Lazzarini, diretor da UNRWA, afirma que Israel não apresentou nenhuma prova contra seus antigos funcionários. A agência disse nesta segunda-feira que alguns de seus trabalhadores foram "obrigados a confessar sob tortura e maus-tratos" pelas autoridades israelenses, quando interrogados.
A ONU abriu uma investigação sobre o tema. Os ataques do Hamas mataram mais de mil israelenses e geraram uma resposta em grande escala por parte de Israel. O massacre que vem ocorrendo desde então já matou mais de 32 mil palestinos, a maioria de mulheres e crianças, em uma operação que muitos classificam como sendo "genocídio".
Sobre o Ramadã, as negociações seguem no Cairo envoltas em segredo e provavelmente nunca serão divulgadas. Qualquer que seja o resultado, não há muitos motivos para otimismo.
"Depois de violarem tantos direitos fundamentais, disparar contra famintos, destruir mesquitas, casos que chocam o mundo, por que eles se importariam com o Ramadã?", questiona Sâmia Teixeira.
"Acredito que depois de matar tantas mulheres e crianças, prosseguir com o massacre durante o Ramadã é uma forma de reafirmar o massacre, da parte de Israel, Estados Unidos e de todos os envolvidos neste genocídio."