Petro enfrenta maior ofensiva contra seu governo da Colômbia com investigação articulada pela oposição, diz analista
A abertura da investigação pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) contra o presidente Gustavo Petro na Colômbia expôs uma tensão que já estava sendo carregada desde o começo do seu mandato, em agosto de 2022. Essa não é a primeira vez que o mandatário denuncia a tentativa de um “golpe de Estado”, mas para setores de esquerda colombianos é o início de um movimento mais brusco contra o governo já mirando as eleições de 2026.
A apuração do CNE vai analisar os gastos da campanha eleitoral vencida por Petro. A abertura do processo, no entanto, foi feita dois anos depois do pleito presidencial e partiu do juiz Álvaro Hernán Prada, que é do partido Centro Democrático, do ex-presidente Álvaro Uribe. O magistrado é acusado de ser cúmplice de suborno em processos penais juntamente com Uribe. Os dois estão sendo investigados de maneira conjunta.
Para a professora de ciência política da Universidade Nacional da Colômbia Doris Gómez Osorio, essa relação é fundamental para entender o jogo político que está colocado na investigação contra o primeiro presidente de esquerda da história colombiana.
“O partido Centro Democrático ficou vários anos no poder e é a oposição mais forte a Petro hoje. Com a investigação, o CNE permite iniciar esse processo que deslegitima a campanha e levanta dúvidas sobre a transparência. Nessa investigação eles questionam outras entidades e organizações que são representantes populares. Então há a presença não só da oposição tradicional, como de outras forças que também se sentem ameaçadas com as propostas de mudança e tentam gerar uma crise permanente”, afirma ao Brasil de Fato.
O CNE é um órgão administrativo e pode investigar campanhas eleitorais. No entanto, o resultado dessas investigações não pode recair sobre um presidente em exercício, mas sobre o partido político do mandatário e organizadores da campanha. De acordo com o regramento jurídico do país, quem tem o poder de destituir um presidente na Colômbia são a Câmara dos Deputados e o Senado.
Movimentos de esquerda da Colômbia temem que, mesmo sem uma condenação do presidente pelo CNE, a intenção é preparar o terreno para um possível impeachment no Congresso do país. Como medida para se precaver, a própria defesa de Gustavo Petro já pediu à Comissão de Acusações da Câmara dos Deputados que realize uma investigação sobre o caso.
“A legalidade da investigação, apesar de ter os procedimentos formais corretos, não tem fundamento, já que só o Congresso poderia fazer isso. Eu sinto que o que se quer é um golpe midiático para a opinião pública”, afirma Osorio.
Ainda que não consiga derrubar o governo antes do fim de seu mandato, Osorio afirma que o objetivo é desgastar a imagem de Petro e de suas políticas progressistas. Ela diz que o mandatário já teve que enfrentar muitas crises, a maioria delas provocada por esses movimentos políticos, mas nenhuma foi tão direta quanto a abertura de um processo contra o presidente.
“Nessa primeira metade do governo já foram anunciadas pré-candidaturas da direita [para suceder Petro]. É importante ler o anúncio e a maneira como se faz dá um horizonte eleitoral, a ideia é ir deteriorando a imagem do governo, sua transparência e legitimidade com a opinião pública nacional e internacional. O governo tem que se defender de muitas acusações, algumas delas fundamentadas de escândalos que o próprio governo precisou enfrentar”, afirma.
A disputa política não opõe apenas projetos diferentes de governo. Petro foi eleito prometendo uma mudança brusca na sociedade colombiana, fosse com o fim da violência com grupos guerrilheiros ou reformas estruturantes, e implementou nos últimos dois anos políticas que não estavam no roteiro colombiano em qualquer um dos governos anteriores.
De acordo com os movimentos populares, essas políticas incomodam as elites dominantes e os partidos tradicionais. Petro propõe três reformas para reestruturar o Estado colombiano: no sistema de pensões, na saúde e uma reforma tributária. Aumentar o imposto sobre grandes fortunas e universalizar a saúde e as aposentadorias passaram a ser as principais mudanças que o governo tenta impulsionar no país.
A estratégia usada por Petro até agora tem sido uma mobilização permanente de apoiadores e movimentos populares.
“Isso não é tão novo para Petro porque ele enfrentou em alguma medida isso quando era prefeito de Bogotá. Há uma posição clara de ser um personagem contra o establishment. É justamente esse establishment que se volta contra ele, mas há a tentativa de mobilização permanente que é parte de uma estratégia, de recorrer a sua base de apoio. Ter os movimentos populares ao seu redor e tentar reverter essa situação”, disse Doris Osorio.
Além de Petro, foram citados pela Justiça o gerente de campanha e atual presidente da Ecopetrol, Ricardo Roa; a tesoureira, Lucy Aydée Mogollón; os auditores María Lucy Soto e Juan Carlos Lemus; e os partidos Colômbia Humana e Unión Patriótica (UP).
Passo a passo da investigação
A partir da abertura da investigação, a defesa dos investigados tem 15 dias para apresentar a argumentação. Essa etapa deve ser finalizada até o final de outubro. Depois, o CNE tem três meses para levantar e apresentar as provas. A princípio, isso teria que ser feito até fevereiro, mas a lei eleitoral colombiana permite que essa etapa possa ser prorrogada por dois meses, o que venceria em abril.
Depois, é realizado o julgamento com as argumentações finais das duas partes, tanto da acusação quanto da defesa. A relatoria terá então dois meses para definir o resultado do julgamento. Se a campanha de Petro for declarada culpada, a defesa pode recorrer ao Conselho de Estado e pedir que a decisão seja anulada.
Por não poder ser investigado, a pena máxima que pode recair sobre a campanha de Petro é uma multa. O CNE, no entanto, pode enviar o processo para o Congresso para avaliar um processo de impeachment.
Investigação aberta
O processo contra Petro se dá em torno da campanha eleitoral do mandatário. A Justiça apura a atuação da Sociedade Aérea de Ibagué (Sadi), que teria recebido 4 bilhões de pesos (R$ 5,3 milhões), da União Sindical Obrera (USO), por 600 milhões de pesos (R$ 800 mil), e mais 500 milhões (R$ 660 mil) da Federação Colombiana de Educadores (Fecode).
Petro já havia se defendido das acusações e afirmou que despesas feitas após a eleição foram incluídas na investigação como sendo parte da campanha. "Você pode observar que as doações a partidos se tornaram irregulares mesmo quando são permitidas por lei e que supostas despesas após o término da campanha eleitoral são apresentadas como se estivessem dentro da campanha", disse o mandatário colombiano.
O Ministério das Relações Exteriores da Colômbia pediu à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) proteção a Petro. O objetivo do governo é que seja aplicada uma medida cautelar pelo CIDH. Na prática, isso seria um pedido para que um Estado defenda alguém que “esteja em uma situação grave”. A chancelaria colombiana ainda fará um pedido ao Tribunal Interamericano de Direitos Humanos para intervir na investigação.
Em coletiva de imprensa, o vice-ministro de Relações Exteriores, Jorge Rojas, disse que está em curso um “golpe de Estado” no país e que informou ao corpo diplomático e aos países que mantêm relação com a Colômbia sobre a “perseguição” sofrida por Petro. Segundo ele, o processo contra Petro é político e um golpe contra a democracia .
Acusações de Petro
Desde que assumiu em 2022, Petro já denunciou diversas vezes tentativas de golpe ou desestabilização de seu governo. Em março de 2023, John Marulanda, ex-diretor da Associação de Oficiais Reformados das Forças Militares da Colômbia, disse em uma entrevista que faria "de tudo para destituir um sujeito que foi guerrilheiro" e insinuou que o país deveria seguir o exemplo do Peru, onde o então presidente Pedro Castillo fora afastado do poder.
Petro respondeu: chamou o caso de tentativa de golpe de Estado e pediu investigação.
Em junho, Petro exigiu a renúncia de sua então chefe de Gabinete, Laura Sarabia, e do embaixador colombiano na Venezuela, Armando Benedetti, em meio a ameaças trocadas por ambos que envolviam supostas escutas telefônicas, roubo de dólares e doações de campanha. O presidente colombiano chamou o episódio de "golpe suave para interromper a luta contra a impunidade".
No mesmo mês, intelectuais e líderes políticos de 20 países assinaram uma carta denunciando a tentativa de congressistas de sabotar o governo barrando reformas propostas pelo presidente, como a da saúde, a trabalhista e a da previdência. Eles também classificaram esse movimento como "golpe suave". Petro havia rompido com três partidos de direita que compunham sua coalizão após enfrentar essas travas no Congresso. A decisão levou a uma reformulação ministerial e perda de interlocução com setores de centro e de direita no Legislativo. O presidente, então, convocou manifestações em apoio às reformas e uma "mobilização permanente" da sociedade.
Em fevereiro de 2024, o presidente disse que o Ministério Público do país tentava derrubar seu governo "pelas vias judiciais". Naquele período, ele e o procurador-geral colombiano, Francisco Barbosa, estavam travando uma batalha judicial que envolvia acusações contra o então ministro das Relações Exteriores, Alvaro Leyva, por cancelar uma licitação para escolher a empresa que emitiria os passaportes colombianos, e a própria investigação contra as doações da Fecode.