Para aproximar sistema de justiça da população, Venezuela aprova eleição para juízes comunais
Aproximar a justiça das pessoas e otimizar o Judiciário da Venezuela. Foi com essa missão que a Assembleia Nacional aprovou uma reforma no sistema de justiça do país. Com o objetivo de aprofundar a transferência de poder para que a população tenha mais autonomia, as comunas venezuelanas terão agora os chamados juízes de paz. A estrutura é uma forma de desafogar os tribunais do país, agilizar a resolução de pequenas causas e mediar situações entre vizinhos de forma ágil.
Os juízes de paz funcionarão como uma espécie de pequenos tribunais nas comunas, mas que não terão o poder de julgar alguém ou alguma causa. A ideia é buscar a conciliação e chegar a uma solução dos problemas que atendam os comuneros para evitar que muitos casos vão para a Justiça.
A eleição para os primeiros juízes de paz será em 15 de dezembro e vai definir 30 mil representantes de mais de 5 mil circuitos comunais em toda a Venezuela.
O governo afirma que essa é uma forma de aprofundar a democracia e mostrar para o mundo uma forma diferente de organizar a sociedade, que tenha o povo como principal protagonista.
A eleição escolherá novos representantes para as comunas, que terão na figura dos juízes de paz uma referência para a resolução de conflitos no território. Mesmo que eles não tenham experiência jurídica, a ideia é desafogar a justiça do país com os casos que podem ser resolvidos dentro das próprias comunidades.
Para o integrante da comuna campesina Junquito, Robert Córdoba, a lei abre uma nova forma de gestão do território e também transforma as relações sociais na Venezuela.
“Essa lei é uma ferramenta que nos permite ter uma política de justiça dentro do território, com uma política de paz que permite prevenir ataques fascistas nas nossas comunidades. Essa lei faz um chamado a todos os porta-vozes que se incorporam nesse processo para tomar o controle e ter a possibilidade de receber e processar denúncias. Eles têm a prerrogativa inclusive de tomar medidas e aplicar multas que vão permitir às comunidades manter um controle de paz dentro do seu território”, afirmou ao Brasil de Fato.
Serão eleitos no máximo 3 juízes por circuito comunal. A inscrição de candidaturas começou em 25 de novembro e terminou no domingo (1). O pleito será organizado pelo Conselho Nacional Eleitoral do país.
Para ser um candidato a juiz de paz é preciso ser venezuelano, ter ao menos 25 anos, viver há pelo menos três anos no lugar da candidatura, não ser diretor de nenhuma organização política ou sindicato e não ser militar.
A criação da Justiça de Paz, no entanto, já era determinada na Lei Orgânica da Paz nas comunas criada em 2012, mas ainda não tinha sido regulamentada. Agora, a Comissão Eleitoral da Comuna vai sistematizar as candidaturas e organizar a realização do pleito.
Para o educador do Ministério das Comunas Thor Marquez, a medida também coloca uma responsabilidade a mais para as comunas na construção de uma nova sociedade.
“Essa lei modifica o artigo 158 da Constituição depois de 12 anos para adaptar aos novos tempos, na nova etapa da revolução bolivariana nesse processo de transferência ao poder popular. Eles vão ter uma responsabilidade dentro do que é a convivência cidadã, buscar a preservação da paz nos territórios. Os juízes de paz vão ter muita incidência na resolução de conflitos e na tomada de decisões”, disse ao Brasil de Fato.
Os juízes de paz não terão as mesmas atribuições de um juiz público do país. O governo quer testar esse modelo dentro das comunas para que isso mude a própria relação da Justiça com a população.
Para os comuneros, os juízes de paz vão impactar na convivência entre as pessoas a partir da solução direta dos conflitos. Problemas entre vizinhos, violência doméstica, maltrato infantil, violência de gênero. Todas essas questões já poderão ser resolvidas por conciliação, ou encaminhadas pelos juízes de paz para os tribunais regulares que já terão um parecer prévio para poder acelerar os julgamentos.
“A Justiça de paz busca acima de tudo preservar a paz no território. Incide no que é a convivência cidadã, a problemática direta, resolução de conflitos internos que podem ser atendidos de maneira imediata. Não tem a profundidade de um juiz mercantil ou penal, porque não tem a prerrogativa de prender. É um juiz que busca a conciliação, um juiz que busca levar a um acordo entre as partes, mas que tem incidência, que escreve um informe que tem certo peso na hora de passar um processo judicial a uma etapa com maior incidência legal, que tenha a ver com outras instância mais elevadas”, afirmou Marquez.
Desde a eleição do ex-presidente Hugo Chávez, em 1998, os governos venezuelanos passaram a ter como um dos pilares do Estado o poder popular. Isso significa dar uma autonomia maior para a população na gestão do espaço e dos rumos da sociedade. Para os comuneros, a medida dos juízes de paz vai justamente nesse sentido.
“Quando falamos dos avanços que temos em relação a organização comunal e revisamos o direito que ampara a sociedade venezuelana nos damos conta que estamos frente a um processo da democracia participativa e protagônica. Nos damos conta que cada passo que estamos dando nos aproxima de um novo modelo de governabilidade no território e nos aproximamos de um fortalecimento dos tecidos e das organizações de base. Cada vez que tomamos decisões neste tipo de reforma constitucional, nos aproximamos muito mais daquela utopia que nos chama a construção de um sistema novo, de um modelo civilizatório novo que termina sendo a comuna”, disse Cordoba.
Mudanças na Justiça
A eleição de juízes de paz faz parte de uma aproximação política ao movimento que Chávez nomeou de Poder Popular. A ideia é que cada vez mais a população tenha autonomia e poder de decisão sobre sua própria vida na economia, política, organização social e justiça.
No entanto, essa não é a primeira vez que o governo promove mudanças na Justiça do país. Desde que Chávez assumiu em 1999, foram 4 reformas. A primeira foi feita logo depois da posse do ex-presidente, durante o processo da Constituinte. O então chefe do Executivo decretou uma Emergência Judicial para operar enquanto seria discutida uma nova Constituição.
O novo documento dissolveu a Corte Suprema de Justiça e criou o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) como entidade que representaria o Poder Judiciário venezuelano. Também foram destituídos 491 juízes no país, acusados de enriquecimento ilícito e baixa produtividade. Naquele momento, era consenso na sociedade venezuelana a percepção de que os magistrados estavam ligados a casos de corrupção.
A segunda reforma se deu em maio de 2001, quando o TSJ decretou que os magistrados seriam escolhidos com base em concursos. Em 2005 acontece a terceira reforma que amplia o número de juízes do Tribunal de 20 para 32.
A última reforma foi feita em 2022 pelo presidente Nicolás Maduro. O governo determinou a redução do número de magistrados do TSJ de 32 para 20.