G20 Social começa com atividades autogestionadas de movimentos populares de todo o mundo
A primeira-dama Janja Silva foi a responsável por dar a largada dos três dias de Cúpula Social do G20, que começou nesta quinta-feira (14) e vai até o sábado (16) na região do Boulevard Olímpico, no Rio de Janeiro (RJ). Em cerimônia no Museu do Amanhã, na presença de ministros, parlamentares e do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), Janja destacou o empenho do governo brasileiro em garantir a participação da sociedade civil na elaboração das sugestões para a solução dos grandes problemas da humanidade.
Eu estou muito feliz porque foi um ano de muito trabalho, de todos os grupos, de todas as trilhas, da força tarefa, da Aliança Global, da Trilha de Finanças, enfim, a gente teve milhares de pessoas envolvidas, milhares de pessoas discutindo", disse a primeira-dama. "Nos unimos para o futuro, que nos parece nesse momento talvez um pouco incerto, mas a gente sabe por onde a gente precisa trilhar", completou.
O primeiro dia do evento é dedicado às atividades autogestionadas promovidas por movimentos populares e organizações da sociedade civil. Segundo o governo federal, mais de 200 organizações se credenciaram para realizar fóruns de debate e outras atividades no G20 Social.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) organizou uma mesa de debates sobre as transformações globais e as propostas populares para enfrentar os desafios da atualidade. Larissa Packer, integrante da equipe da organização não governamental Grain para a América Latina, iniciou o debate com duras críticas às resoluções da Cúpula do Clima do Azerbaijão (COP29), focadas na regulamentação do mercado de carbono, em benefício das grandes corporações transnacionais e dos agentes financeiros.
"Nós estamos vendo efeitos da crise climática em todo o globo. Mas a questão é: o problema da crise climática é apenas o volume de toneladas de gases de efeito estufa. Porque para eles, isso pode ser resolvido com o financiamento da compra de carbono e o planeta estará salvo", afirmou. "É a única forma de entregar financiamento ao mundo em desenvolvimento. Não a partir do dever desses países de cumprir com suas responsabilidades. Para eles, a única forma é buscar a contribuição do mercado financeiro, a partir do chamado mercado de carbono."
Na avaliação de Packer, o mercado financeiro tem investido na concentração de terras como mecanismo para produzir as chamadas compensações ambientais. Ou seja, realizando o reflorestamento de vegetação para "comprar o direito de seguir poluindo", o que ela classifica como o "capitalismo verde".
"Esse capital financeiro precisa de uma segurança, um lastro, que tem sido a captura de terras. O capital imobiliário urbano, rural, comercial e residencial nas mãos do rentismo somam 300 trilhões de dólares. 35 trilhões desses ativos financeiros estão concentrados em imóveis rurais. E 70% da renda mundial é produto da riqueza gerada por aqueles que detém esses imóveis, cada vez mais amparada em terra."
Em relação ao Brasil, especificamente, Packer afirmou que 30% da dívida pública brasileira estão em mãos de instituições financeiras, e outros mais de 20% em fundos de investimentos que, a partir da alta taxa de juros aplicada pelo Banco Central, têm remunerado grandes fortunas que, por sua vez, pertencem à cadeia do agronegócio, principal responsável pela perda de vegetação e contaminação dos solos no país. Ela também criticou a política econômica do governo.
"O Ministério da Fazenda está dirigindo o orçamento público para os rentistas", continuou Packer. "A geometria do poder é deslocada dos orçamentos públicos e do Tesouro Nacional para o mercado financeiro. E a gente tem que brigar com as oligarquias rentistas para defender o orçamento do país."
A pesquisadora criticou o recente projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional, sobre a regulamentação do mercado de carbono. Segundo ela, o agronegócio não está inserido na regulamentação, de modo que não terá o compromisso em cumprir com os limites de emissão estabelecidos pela lei. "Não se trata apenas de uma crise climática, são várias crises. Há uma crise ecológica. Se não olhamos dessa perspectiva, não veríamos problema no aumento do uso de agrotóxicos na agricultura, afinal, a questão se resume às emissões. Não tratam da crise ecológica, apenas da crise climática, como se não tivessem relação", analisa.
No mesmo espaço de debate, a médica Aleida Guevara, filha do revolucionário e ex-ministro da economia cubano Ernesto Che Guevara, se disse surpresa ao visitar uma mina de ferro a céu aberto em plena Amazônia brasileira. "O homem pode viver sem ferro, mas não pode viver sem oxigênio", declarou.
Guevara defendeu a unidade do campo popular para promover as transformações que o povo necessita, e afirmou que a reforma agrária deve ser o primeiro passo. "A primeira questão é: temos que fazer reforma agrária. Não há maneira de produzir alimentos se não somos donos de nossas terras. A terra é propriedade do povo e o único que pode se chamar donos da terra são os que utilizam a terra para produzir e para produzir alimentos para alimentar o povo", disse.
"Quando vejo um brasileiro nas ruas a mendigar, eu me pergunto: do que estamos falando? Se esse é o país mais rico da América Latina. É inadmissível", disse a médica cubana, que citou palavras de seu pai para defender o socialismo como via de superação dos problemas da humanidade. "Meu pai dizia: ou revolução socialista ou caricatura de revolução. Porque a revolução socialista é a única maneira de que o povo tenha poder. Para que façamos as mudanças que a sociedade precisa, é preciso que o povo seja dono dos meios de produção."
Aleida Guevara ainda criticou a manipulação dos povos contra os governos populares, como Venezuela, Cuba e Nicarágua, e criticou a Rede Globo, que qualificou como um veneno da televisão. "Todo o problema que há com a Venezuela é porque os gringos se deram conta de que agora têm que comprar o que antes eles roubavam", continuou. "Tirania quando se dá de comer ao povo? Tirania quando se ensina a ler e escrever ao seu povo para defender seus direitos? Que tirania é essa?", questionou.