Fechar agência de notícias causa vácuo de informação e enfraquece influência regional da Argentina
O fechamento da agência de notícias Télam, coloca a população argentina diante de um “vazio de informação” e enfraquece a influência regional do país. Essa é a avaliação dos especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato após a suspensão dos serviços da agência pelo governo de Javier Milei na segunda-feira (4), motivo de protesto dos trabalhadores diante da sede da empresa em Buenos Aires.
Comunicados ainda na madrugada de segunda de que teriam seu trabalho suspenso por 7 dias, os trabalhadores da agência foram impedidos de acessar o escritório da empresa, cercado pela polícia.
Para Marcelo Botto, jornalista e docente universitário argentino, autor do livro Historia de las agencias de noticias (2012), o fechamento definitivo da agência, caso se efetive, representará uma “redução na circulação da informação”.
“Não há outro meio de comunicação com uma cobertura semelhante. É a única com cobertura realmente nacional. A maioria dos meios do interior do país e da cidade de Buenos Aires, não apenas os grandes, mas as rádios e sites médios e pequenos se alimentam informativamente da Télam.”
Além da Télam, apenas a Rádio Nacional Argentina, também na mira de Milei, distribui notícias para todo o território do país. Com mais de 700 trabalhadores, a agência possui 27 correspondentes distribuídos pelo território argentino e seis no exterior.
Na Argentina a concentração de meios de comunicação é ainda maior que no Brasil, e está praticamente nas mãos de duas famílias, que controlam os conglomerados de mídia sob o guarda chuva dos jornais Clarín e La Nación, e mantinham em parceria a agência privada DyN (Agência Diários e Notícias). A partir do fechamento da DyN em novembro de 2017, a Télam passou a ser a única agência de notícias com capilaridade no interior do país e nas periferias.
Pedro Aguiar, professor de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense (UFF), que pesquisa agências de notícias há mais de 15 anos, aponta que o fechamento da Télam representa um “vazio de informação que vai ser percebido rapidamente porque a imprensa do interior não tem como dar conta dessa cobertura com recursos próprios” e que pode ser um “tiro no pé” do próprio governo, que tem aliados nessas províncias.
No discurso que abriu o ano legislativo da Argentina, na sexta-feira (1), quando anunciou o fechamento da Télam, Milei classificou a agência como um veículo de propaganda kirchnerista. Aguiar aponta que esse é o mesmo discurso utilizado pelo ex-presidente Mauricio Macri, que tentou demitir cerca de 40% dos funcionários da Télam em 2018, mas não conseguiu devido à forte mobilização dos trabalhadores.
“Voltou atrás porque houve muita pressão por parte dos próprios jornalistas da Télam, de outros jornalistas, inclusive de gente que não é de esquerda e nem kirchnerista. E teve que voltar atrás. A Télam não faz propaganda ideológica kirchnerista, faz um serviço que cobre jornalisticamente de tudo e abastece a imprensa argentina, inclusive a imprensa conservadora privada, que é aliada do Milei.”
Importância regional
Além de fornecer informação para a imprensa nacional, as agências públicas de notícias também cumprem um papel geopolítico de influência, ao difundirem informações sobre sua economia e interesses políticos para o exterior.
Nesse sentido, os especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato apontam que o fechamento da Télam terá impactos regionais, devido à sua importância na difusão de notícias na América Latina. Para Marcelo Botto, o fechamento da agência é mais um indicativo de isolamento do país.
“O Estado argentino perde uma fonte informativa de prestígio, principalmente na América Latina. Vai afetar negativamente, porque é uma ferramenta chave para a difusão dos seus interesses. Se levarmos em conta que informação é poder, perde-se o manejo crucial da informação nesse sentido”, avalia o pesquisador argentino.
Pedro Aguiar aponta que a agência também cumpre um importante papel na integração regional, tendo sido uma das principais articuladoras da cooperação entre agências públicas da América Latina em 2011 para a formação da União Latino Americana de Agências de Notícias, composta pela Agência Brasil, Andina do Peru, AVN da Venezuela e Prensa Latina de Cuba.
“Quando o Macri entrou no governo, desestruturou essa cooperação que era hospedada pela Télam, e isso foi desarticulado. Se de fato ela for fechada, vai deixar esse vazio dentro do campo da informação e no campo da cooperação, da integração regional.”