Cuba discute planejamento econômico para 2025 após um 'ano muito difícil'
Com uma agenda legislativa focada na crise que Cuba atravessa agravada pelo bloqueio dos EUA, a Assembleia Nacional do Poder Popular (ANPP), órgão legislativo cubano, iniciou nesta quarta-feira (18) suas sessões ordinárias de inverno onde deve estabelecer o planejamento orçamentário e econômico para 2025.
O secretário da Assembleia e do Conselho de Estado, Homero Acosta, informou à imprensa local que as atividades parlamentares também abordarão questões relacionadas ao incentivo do investimento estrangeiro, à atualização do código trabalhista no contexto do crescimento do setor privado na ilha (leis de proteção ao trabalho), à produção de alimentos e à luta contra a corrupção, entre outras.
As atividades da ANPP ocorrerão em um complexo cenário nacional e internacional, no qual se espera que a chegada de Donald Trump à Casa Branca intensifique ainda mais as agressões que Washington mantém contra Cuba há mais de 60 anos.
Nesse contexto, o presidente cubano Miguel Díaz-Canel convocou o “heroico povo cubano” a realizar uma “marcha combatente” no dia 20 de dezembro, ao terminar as atividades parlamentares. A mobilização será realizada no emblemático Malecón de Havana, em frente à embaixada dos EUA, exigindo o fim da hostilidade contra a ilha.
Planejamento econômico
Embora os dados oficiais ainda não estejam disponíveis, as autoridades do Ministério da Economia já informaram que o país provavelmente encerrará o ano com uma nova contração econômica, após a queda de 1,9% do PIB em 2023. Ao mesmo tempo, de acordo com a Agência Nacional de Estatísticas e Informações, a taxa de inflação interanual do país permaneceu em torno de 28%.
Além da agressão prolongada e sustentada do bloqueio dos EUA, Cuba está enfrentando dificuldades internas tanto na estabilização econômica quanto na atualização do modelo socialista. Nos últimos anos, o país tem perdido de forma contínua sua capacidade de exportação, enquanto seu setor agrícola tem sofrido uma importante depressão.
A estas dificuldades este ano a ilha sofreu a passagem de dois furacões que causaram perdas de milhões de dólares, com a destruição total ou parcial de mais de 46 mil casas e a perda de 37 mil hectares de produção agrícola, o que provocou um forte impacto inflacionário nos alimentos produzidos localmente.
Nesse contexto, o Ministro da Economia e Planejamento, durante os debates do Comitê de Assuntos Econômicos da Assembleia Nacional, apresentou um projeto de orçamento que estima um crescimento econômico de 1% do PIB para 2025.
Um ano muito difícil
O presidente Miguel Díaz-Canel, em seu discurso de fim de ano ao plenário do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba, afirmou que “estamos passando por um período muito difícil, estamos praticamente vivendo dia a dia”, observando que “há muitas reclamações do povo”, as quais ele descreveu como “justas”.
O presidente cubano também garantiu que as autoridades não estão “de braços cruzados”. Como exemplo das dificuldades cotidianas pelas quais o país está passando, o presidente lembrou que recentemente, em meio à crise energética, um navio não conseguia descarregar gás liquefeito por 15 dias porque o Estado havia sido impedido de pagar pelo serviço, já que os bancos não aceitavam depósitos cubanos como resultado da inclusão de Cuba na “lista de patrocinadores estatais do terrorismo”.
A “Lista de Estados Patrocinadores do Terrorismo” é elaborada pelo Departamento de Estado dos EUA, unilateralmente e sem um mandato internacional. A inclusão de um país nessa lista impede o acesso ao crédito e ao sistema internacional de pagamentos, com o objetivo explícito de causar danos econômicos, políticos e financeiros.
“Não se trata de um rosário de lamentações, estou apenas refletindo e dando um exemplo para insistir em algo: temos de acabar com nossa dependência das importações, e fazê-lo apenas com o estritamente necessário, como matérias-primas e insumos para nossos processos produtivos e serviços”, asseverou Díaz-Canel.
Somente no período de 1º de março de 2023 a 29 de fevereiro de 2024, o bloqueio gerou uma perda estimada de US$ 5,5 bilhões (R$ 33 bi), o que significa uma perda de mais de US$ 421 milhões (R$ 2,5 bi) por mês, segundo estimativas da ONU.
“As pessoas terão mais confiança no socialismo quando virem que é um sistema capaz, em primeiro lugar, de garantir as conquistas sociais que custaram tanto, e também que pode atender às suas demandas materiais fundamentais”, disse.
Argumentou que “é necessário obter a maior legitimidade e liderança nos quadros, o que só é possível quando eles demonstram exemplaridade, convicção e firmeza política”. E afirmou que a “principal responsabilidade” é dos líderes.
Por sua vez, em referência à recente vitória eleitoral de Donald Trump e à nomeação do ultradireitista Marco Rubio como chefe do Departamento de Estado, órgão responsável pela política externa dos EUA, Díaz Canel garantiu que o recente resultado eleitoral “não surpreendeu” Cuba.
"Não ficamos surpresos com a dança eufórica dos odiadores, desesperados para cantar o fim da Revolução que eles não conseguiram derrotar. Esse resultado e a possibilidade de aumentar a agressão contra Cuba estavam previstos nos cenários. Conscientes dessa realidade, estamos prontos para enfrentar esse novo cenário com equanimidade e sem medo, mas alertas e preparados”.
Assembleia Nacional do Poder Popular
A Assembleia Nacional do Poder Popular é o órgão máximo do poder estatal em Cuba. É um órgão unicameral, com funções constituintes e legislativas, formado por sufrágio universal não obrigatório. Assim como nos sistemas parlamentares, o presidente, o vice-presidente e o secretário da Assembleia são eleitos na Assembleia.
Os membros da legislatura cubana não são escolhidos por meio de concorrência partidária. As candidaturas são uma combinação de propostas elaboradas por diferentes espaços setoriais, como a Central de Trabalhadores de Cuba, a Associação Nacional de Pequenos Agricultores, a Federação de Estudantes Universitários, a Federação de Estudantes do Ensino Médio, etc. Enquanto metade do parlamento é selecionada por indicação em votos territoriais a nível municipal.
Os membros da Assembleia Nacional do Poder Popular mantêm seus empregos enquanto estão no cargo e não recebem um salário maior do que o de um trabalhador comum. Além disso, os funcionários são legalmente responsáveis perante seus eleitores e seu mandato pode ser revogado a qualquer momento. A Assembleia Nacional do Poder Popular se reúne duas vezes por ano em sessões ordinárias, no meio do ano e no final do ano.