Com Corina fora do pleito, oposição venezuelana busca opções; governo aposta na economia
O Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE) confirmou a inabilitação da principal candidata da oposição, María Corina Machado, por 15 anos. Com isso, partidos que querem derrotar o presidente Nicolás Maduro nas eleições de 2024 terão que definir, até 25 de março, seus candidatos para a disputa. O que parecia uma questão interna extrapolou os debates partidários e expôs uma dificuldade do campo contrário ao governo.
A Venezuela decidiu na última semana o calendário eleitoral de 2024 e marcou as eleições para 28 de julho. Depois de 23 dias de debates, a mesa de diálogo formada pela Assembleia Nacional apresentou um documento com propostas que foi analisado pelo Conselho Nacional Eleitoral, o CNE. Parte da oposição criticou a escolha da data por achar que não haveria tempo para decidir um candidato único.
O principal balizador dessas discussões foi o acordo assinado entre governo e parte da oposição em Barbados, em outubro de 2023. Segundo o documento, as eleições deveriam ser realizadas no segundo semestre de 2024 e contariam com a presença de observadores estrangeiros.
Para o professor de ciência política da Universidade Central da Venezuela e ex-vice-presidente do CNE, Leonardo Morales, o cronograma definido cumpre com o combinado e foi amplamente discutido com diferentes setores.
“Foi definido que as eleições seriam realizadas no segundo semestre. O dia de 28 de julho se encaixa nessa exigência –pouco precisa– solicitada pela oposição em Barbados. Por outro lado, o governo se reuniu na Venezuela com mais de 50 grupos da oposição onde discutiram o calendário eleitoral. Agora parece que alguns participantes do acordo de Barbados não gostaram da data. Ora, mas eles concederam essa enorme indefinição, no segundo semestre de 2024 e essa data está nesse enorme lapso de tempo”, disse ao Brasil de Fato.
Depois da divulgação do calendário, o CNE anunciou ter convidado diferentes organismos internacionais para acompanhar as eleições: Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), Organização das Nações Unidas (ONU), União Europeia, União Africana e Centro Carter dos Estados Unidos.
Morales explica que esse processo já é feito há muito tempo no país e não tem caráter de análise do processo.
“Não é para avaliar, validar e dar uma assinatura de boa conduta para o pleito. Muitas vezes os observadores diziam que gostavam de vir à Venezuela para aprender e ver como o país aumentou a cobertura das mesas eleitorais. Nós começamos muito cedo com os processos automatizados. Então a presença deles é importante”, afirmou.
O dia escolhido para o pleito coincide com o aniversário de 70 anos de Hugo Chávez. Mas para William Serafino, a data também é estratégica por dois fatores. Primeiro pelos indicadores econômicos positivos que a Venezuela vem apresentando. Nos últimos dias, o Banco Central do país divulgou que a taxa de inflação mensal de fevereiro foi de 1,2%,a mais baixa em 12 anos.
A escolha também é importante por interesses geopolíticos da Venezuela.
“Pelo lado do governo, a data é muito melhor por motivos econômicos, com indicadores que permitam chegar [nas eleições] com muito mais oxigênio. A data também tem esse critério. No entanto, isso responde a outros, como as eleições presidenciais dos Estados Unidos. Não se sabe muito bem o que vai acontecer nos EUA, mas evidentemente que, para mim, quanto mais longe estejam as eleições da Venezuela com as eleições dos EUA, o país tem mais tempo para se preparar caso Trump volte à presidência” afirmou Serafino ao Brasil de Fato.
O governo deverá ter como candidato à reeleição o presidente Nicolás Maduro. O Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) vai anunciar o candidato nesta sexta-feira (15).
Candidatura de oposição
A oposição tem em María Corina Machado, até agora, o principal nome para a disputa. A ex-deputada, no entanto, foi sancionada pela Controladoria-Geral da República (CGR) com uma inabilitação para assumir cargos públicos por conta de inconsistências em sua prestação de contas enquanto foi deputada na Assembleia Nacional (2011- 2014).
A CGR confirmou em junho de 2023 que Machado está inabilitada por 15 anos. Em dezembro de 2023, María Corina recorreu da decisão, mas o Tribunal Supremo de Justiça ratificou a inabilitação da ex-deputada. Em resposta, ela disse que vai concorrer às eleições independente do TSJ.
::O que está acontecendo na Venezuela?:
Para Wiliam Serafino a aposta da oposição é na desestabilização do processo eleitoral.
“O setor da María Corina, que é um setor da extrema direita, evidentemente que sempre tem essa carta na manga, de apostar em um cenário de desestabilização. Até agora não há condições políticas e sociais para isso. Primeiro que há uma espécie de consenso social amplamente compartilhado de que não podemos voltar a processos de desestabilização desse tipo pelo dano à sociedade e à economia”, afirmou.
Um personagem que surge em meio a incertezas da candidatura é o governador do Estado de Zulia, Manuel Rosales. Nome conhecido da política venezuelana, já foi deputado, prefeito de Maracaibo e chegou a disputar as eleições presidenciais de 2006 contra o então presidente Hugo Chávez.
A oposição já ventilava a possibilidade de Rosales se candidatar, mas nesta segunda-feira (11) o próprio governador passou a se colocar como peça no tabuleiro eleitoral deste ano. Rosales apoiou a candidatura de María Corina e disse que seu partido, Um Novo Tempo, está à disposição da Plataforma Unitária e de María Corina Machado.
Um dos questionamentos de parte da oposição também é o tempo para a inscrição das candidaturas. A jornada de registro eleitoral para os candidatos será de 21 a 25 de março e a campanha eleitoral será de 4 a 25 de julho. De acordo com o grupo, há pouco tempo para a escolha de um candidato único da oposição para o pleito.
Segundo Morales, o tempo é parecido com o de outras eleições e o período eleitoral já está posto há muito tempo.
“O tempo para a inscrição de candidatos é parecido com outras eleições. O requisito para as candidaturas não é complexo. A maioria deles o sistema eleitoral já tem. O tempo é simples, é curto, mas como sempre foi. Mas todo mundo sabia que haveria eleições presidenciais. É uma decisão constitucional. Os partidos de oposição deveriam ter usado esse tempo para limar as diferenças que eles acumularam ao longo dos anos”, disse ao Brasil de Fato.
Para ele, o ponto negativo do calendário é o tempo que os candidatos terão para fazer a campanha eleitoral.
“Para recorrer o país precisa de tempo e lamentavelmente o CNE deixou talvez o menor número de datas para a campanha eleitoral. A última durou 26 dias e essa são 21 dias. É uma campanha expressa. Os candidatos só vão visitar as maiores cidades. As pequenas não vão receber visitas porque não há tempo. Isso eu considero uma deterioração do processo, porque se trata de que os eleitores possam decidir bem”, afirmou.
Lula apoia processo
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva comemorou na semana passada a definição de uma data. O brasileiro afirmou esperar que as eleições sejam “as mais democráticas possíveis” e pediu que os candidatos nas eleições presidenciais da Venezuela não tenham o mesmo comportamento do brasileiro derrotado no último pleito. Em referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro, o chefe do Executivo disse que há candidatos brasileiros que perderam e “não aceitaram o resultado”.
Para Serafino, a fala do brasileiro foi um “balde de água fria” na oposição venezuelana. “Muitos especialistas disseram que houve um mal cálculo ao pensar que Lula era um apoio à ‘causa democrática’. María Corina já tinha apostado que Lula fosse um mediador ou que influenciasse em Maduro para beneficiar seus interesses imediatos. Evidentemente que com a declaração de Lula isso passou. Há uma racionalização da sua postura para contribuir com a estabilização da Venezuela a partir de um processo eleitoral e político”, disse.
Ainda de acordo com ele, não é interessante para o governo brasileiro que a Venezuela caia em um “ciclo de desestabilização”, que implicaria em um fluxo imigratório, na deterioração do comércio e uma “dor de cabeça” em termos diplomáticos e geopolíticos.