Chávez foi o líder ocidental mais próximo da Palestina, diz pesquisador
A relação da Venezuela com a Palestina se aprofundou ao longo da presidência de Hugo Chávez. O ex-líder venezuelano reforçou durante todo o seu mandato o apoio e aproximou o debate sobre a disputa pelo reconhecimento da soberania palestina na América do Sul. Mas 11 anos depois da sua morte, a posição de Chávez ainda reverbera entre os venezuelanos.
O ano de 2013 representou uma ruptura para a Venezuela. O então presidente Hugo Chávez morreu de câncer aos 58 anos –12 deles à frente de um processo de transformação do Estado venezuelano. Grande parte da sua política externa foi pautada pela defesa pelo reconhecimento do Estado da Palestina.
O jornalista e pesquisador venezuelano Carlos Durich disse ao Brasil e Fato que Chávez foi o presidente mais próximo da causa Palestina no ocidente.
“Chávez sempre teve a capacidade de ter empatia e defender o Estado Palestino. Ele foi o chefe de Estado mais próximo e com maior empatia com o processo palestino ao menos do Ocidente. Ele inclusive mudou o paradigma em relação à visão que se tinha sobre o conflito. Antes de Chávez se falava em um conflito religioso e não colonial e imperial. Depois de Chávez isso mudou e começou a se falar em um conflito imperialista”, afirmou.
Uma marca dessa proximidade é o que a Venezuela foi o primeiro país do continente americano a reconhecer a soberania do Estado Palestino em 2009. Mas para chegar até esse momento, Chávez teve uma construção política que o aproximou da luta palestina.
Segundo Durich, há três vias em que o venezuelano faz esse movimento. A primeira é que, durante sua formação em Historia e no mestrado em Ciências Politicas, ele sempre teve admiração pelo histórico líder da Organização para a Libertação da Palestina, Yasser Arafat, e se sentiu próximo da tese de que o surgimento do Estado de Israel é um projeto sionista das potencias ocidentais.
Outra influência foi familiar. Quando ele entrou no exército, seu irmão Adán Chávez estava militando no Partido Revolucionário da Venezuela (PRV), organização política que se solidariza com a luta palestina. O terceiro elemento é que outro militante com bastante influência no seu processo político foi Fernando Soto Rojas, que era deputado e foi parte da luta guerrilheira venezuelana nos anos 1960. Ele também foi vinculado nos anos 1970 à Frente Popular para a Libertação da Palestina.
Para Chávez, tanto o processo que estava em curso na Venezuela como o movimento de reconhecimento do Estado Palestino eram lutas anticoloniais. Esse é um dos principais temas que, junto com a questão petroleira, moldam a proximidade de Chávez com a Palestina.
Declarações públicas
O ex-presidente se manifestou diversas vezes contra as ações de Israel na Faixa de Gaza e na Cisjordânia e se orgulhava de que a “revolução sempre esteve ao lado do povo palestino desde o primeiro dia”.
Uma das primeiras declarações públicas do líder venezuelano foi em 2006, no Palácio de Miraflores. Depois de um bombardeio na Faixa de Gaza que matou cinco crianças e duas mulheres, Chávez disse que “para Israel não há Nações Unidas e não há direito internacional”.
O ano de 2009 foi fundamental na relação entre Chávez e Israel. Em 27 de dezembro de 2008, o Exército Israelense lançou um ataque que durou 25 dias contra a Palestina. Cerca de 300 palestinos morreram e milhares de prédios ficaram destruídos. Chávez respondeu. Em 5 de janeiro de 2009, o venezuelano disse que o ataque foi apoiado pelos Estados Unidos e que o mundo deveria se “colocar de pé, assim como a Venezuela faz, pelo fim da invasão em Gaza e a morte de milhares de inocentes”.
Chávez subiu o tom no dia seguinte. Chamou a ação israelense de “Holocausto palestino”, expulsou o então embaixador de Israel em Caracas, Shlomo Cohen, e pediu que os presidente de Israel e Estados Unidos fossem julgados pela Corte Internacional de Justiça pelo cerco e o bloqueio contra Gaza. Ainda de acordo com ele, Israel impedia a entrada de água e de ajuda humanitária da Cruz Vermelha.
O rompimento das relações diplomáticas entre Venezuela e Israel foi comunicada naquela mesma noite pelo então ministro das Relações Exteriores, hoje presidente, Nicolás Maduro.
Em 27 de novembro de 2009, Chávez recebeu o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmud Abbas, em Caracas. No encontro, o venezuelano reforçou o apoio ao povo palestino na “luta contra o impéio ianque e o Estado genocída de Israel”. Na época, palestinos se manifestaram na faixa de Gaza e na Cisjordânia empunhando quadros do presidente sul-americano. Segundo palestinos ouvidos pela AFP, Chávez foi o único presidente que defendeu a todo momento o povo palestino.
Chávez manteve a postura de defesa ao povo palestino até o fim de seu mandato. No ano seguinte, acusou os Estados Unidos de “patrocinar o terrorismo de seu aliado Israel” depois da morte de um grupo que levava carga humanitária para a faixa de Gaza e criticiou a “dupla moral” dos estadunidenses de “condenar atos terroristas exceto contra um de seus aliados”.
Já em 2011, o então chanceler Nicolás Maduro entregou uma carta ao secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, pedindo o reconhecimento do Estado Palestino. O documento assinado por Chávez também reforçava o direito de a Palestina ser reconhecida como um país livre e dizia que o conflito na região não era religioso, mas político.
Uma das últimas declarações de Chávez sobre a questão foi feita em 2012, quando o ex-presidente chamou os ataques contra a Faixa de Gaza de Selvagens.
Segundo Durich, Maduro seguiu a linha de Chávez e dá continuidade a essa política. "Muito pelo seu histórico como chanceler, já que ele foi parte das conversas entre Venezuela e Palestina. Ele reitera as denúncias contra as violências que sofre a Palestina", afirma.
Baque para a revolução
A morte de Chávez em 5 de março de 2013 foi um baque para o processo iniciado pelo próprio ex-presidente 12 anos antes. A comoção foi grande por parte da militância e mesmo opositores pararam para assistir a despedida do então chefe do Executivo.
Jhonatan Sayago, professor de pensamento cultural e desenvolvimento decolonial da Universidade Simón Rodríguez, afirma que o momento em que foi dada a notícia desestabilizou não só os simpatizantes de Chávez, mas toda a sociedade venezuelana. Ele lembra que grande parte da população foi às ruas para encontrar uma saída para aquele momento de luto, o que colapsou o sistema de transporte.
::O que está acontecendo na Venezuela?::
“Foi um baque moral para a militância. Naquele momento, as pessoas ficaram realmente desorientadas”, afirma. Segundo a militante do Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV), Mary Carmen León Monagas, o impacto foi profundo, mas manteve um legado nos trabalhos do partido.
“Foi muito doloroso. Foi como se tivesse tirado nosso pai. É algo que perdura até hoje. Mas foi feito um juramento em torno das palavras de Chávez, para mantermos as palavras vivas dele. Não há um dia que não lembramos dele. O legado dele na militância também é fundamental no trabalho de base feito”, disse.