Petroleiros e conselho da Petrobras trocam acusações em disputa por rumos da empresa
Petroleiros e membros do conselho de administração da Petrobras estão em pé de guerra em meio a uma disputa pelos rumos da estatal. O conflito ganhou força no final de fevereiro e, agora, envolve acusações de faltas disciplinares de ambos os lados.
Ele tornou-se público quando a Federação Única dos Petroleiros (FUP), órgão que reúne os sindicatos da petroleira, emitiu um comunicado com reclamação sobre uma suposta lentidão da Petrobras para avançar em projetos de energia limpa para a chamada transição energética. A estatal prometeu, durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), investir em alternativas de negócio para que não ficasse dependente exclusivamente da exploração do petróleo.
Em nota divulgada no último dia 20, o presidente da FUP, Deyvid Bacelar — que é funcionário da Petrobras — afirmou que havia gente atrapalhando progressos na empresa. Declarou que cargos executivos na diretoria de transição energética da empresa estariam ocupados por pessoas desalinhadas com os compromissos do novo governo, o que não faria sentido.
“Projetos robustos com tecnologia nacional já deveriam ter sido apresentados e submetidos à aprovação do CA [Conselho de Administração] pois são projetos de longo prazo. A Petrobras deve ser a mola propulsora da transição energética no país”, escreveu Bacelar.
No comunicado, Bacelar não cita o nome dos executivos. O Brasil de Fato apurou que Daniel Pedroso, gerente executivo de Energia Renovável da Petrobras, seria um dos que mais desagrada aos petroleiros.
Pedroso trabalha na Petrobras desde 2006. É funcionário concursado da estatal e ocupa cargos de gerência desde 2012. Em abril de 2019 — já durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) —, ele foi promovido a gerente executivo de Integração de Negócios e Participações. Em 2023, no governo Lula, passou para a área de transição energética.
Nos bastidores, Pedroso é visto com um bolsonarista trabalhando para uma gestão petista. Ele responde a Mauricio Tolmasquim, diretor executivo de Transição Energética e Sustentabilidade da Petrobras indicado por Lula.
FUP vira alvo
Já na quinta-feira (29), pouco depois de a FUP emitir sua nota, o jornal O Globo noticiou que a Petrobras abriu, a pedido do Conselho de Administração da empresa, um processo disciplinar contra Bacelar. De acordo com a reportagem, as críticas de Bacelar sobre a conduta da diretoria da Petrobras poderiam ferir reputação da companhia.
O conselho é é composto por 11 membros. Quatro deles são representantes dos acionistas minoritários da Petrobras (investidores que compraram ações da empresa); um membro representa os funcionários; e outros seis são indicações do governo federal, o sócio-controlador.
O texto de O Globo cita Daniel Pedroso. Fala também de pedidos da FUP para investigação de negociações de privatizações ocorridas durante o governo Bolsonaro. A mais polêmica delas é a da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, em 2021.
A refinaria foi vendida para o fundo Mubadala Capital, dos Emirados Árabes Unidos, por R$ 1,65 bilhão de dólares, cerca de R$ 8,25 bilhões à época. Segundo avaliações do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), ela valia pelo menos o dobro disso.
Segundo os petroleiros, o gerente Pedroso participou da privatização.
A FUP, aliás, no mesmo dia em que a reportagem de O Globo foi publicada, emitiu uma nova nota. Desta vez, a entidade cobrou da Petrobras uma investigação sobre vazamento de informações sigilosas da empresa e de seus funcionários a jornalistas.
Segundo a federação, dados sobre eventuais processos disciplinares são sigilosos. Repassá-los seria uma conduta antiética passível de punição.
“A Petrobras tem que apurar quem do alto escalão vazou informação de processo sigiloso e com qual objetivo”, cobrou a FUP. “Causa estranheza o vazamento para a imprensa antes mesmo da notificação da parte interessada”, acrescentou Bacelar, que diz não recebido aviso da queixa contra ele.
Vazamentos em série
Considerando a queixa da FUP, Rosangela Buzanelli, funcionária e integrante do conselho de administração da Petrobras, publicou nesta segunda-feira (4), em seu blog, um texto reclamando desse e de outros vazamentos de informações da estatal.
Segundo ela, a situação é extremamente preocupante. “Relatórios reservados e processos internos de apuração viraram manchetes espetaculares e, o pior, com parte do conteúdo falso”, escreveu ela, cobrando providências.
Buzanelli lembrou que, em 21 de fevereiro, também O Globo noticiou que o diretor de Governança da Petrobras apontou conflito de interesses para a recondução ao cargo do presidente do Conselho, Pietro Mendes. A avaliação, disse ela, deveria estar sob sigilo.
No dia 29, houve a publicação da relacionada ao processo contra Bacelar.
Já na sexta-feira (1º), O Globo novamente publicou notícia de que os diretores Sergio Caetano Leite e William França tiveram seus celulares apreendidos, após investigação e auditorias externa e interna referente ao contrato da Petrobras com a Unigel.
“Veículos de imprensa requentam notícias de que a governança não foi observada, divulgam supostos prejuízos e acusam um dos diretores de orquestrar movimento grevista no setor privado para fechar negócio, entre outras inverdades”, acrescentou Buzanelli. “As três publicações contêm informações sigilosas que não deveriam ser compartilhadas. E todas, sem exceção, contêm, em maior ou menor escala, inverdades.”
Procurada pelo Brasil de Fato, a Petrobras informou que não se manifestará sobre a existência de apuração interna em andamento e que dar publicidade a informações confidenciais é vedado nos normativos da empresa.
Sobre a eventual lentidão na transição energética, a Petrobras reafirmou seu compromisso com a pauta e declarou que vai investir 11,5 bilhões de dólares (cerca de R$ 50 bilhões) na área nos próximos cinco anos.
“A Petrobras é movida a desafios e entende que ainda precisamos da energia de origem fóssil para abastecer o mundo com segurança, contemplando os excluídos da atual oferta de energia, e para gerar recursos e financiar uma transição energética justa”, acrescentou.