G20: Combate à fome e à crise climática são correlatos e dependem de responsabilização de países ricos
Pelo terceiro ano consecutivo, um país do Sul Global sediará a Cúpula do G20, grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo, mais União Europeia e União Africana. O encontro ocorre no Rio de Janeiro (RJ) e será palco de discussões que afetam, sobretudo, as populações dos países mais pobres, entre os quais, o Brasil. É aqui, no Sul Global, que a fome e os impactos das mudanças climáticas, por exemplo, são mais sentidos.
Além de matar pessoas e causar grandes prejuízos, eventos extremos, como o que o Rio Grande do Sul enfrentou este ano, têm dificultado a produção de alimentos e encarecido seus preços, agravando a situação de insegurança alimentar.
Do outro lado, no norte, os países ricos são os principais responsáveis por impor modelos de agricultura focados em monoculturas, altamente concentradores de terra. O resultado são grandes produções para exportação, menos comida nos mercados internos e elevados níveis de degradação ambiental.
Contra essa lógica, movimentos populares têm se organizado para mandar um recado aos governantes do G20: "O Sul Global existe e precisa ser escutado".
G20 e Brasil na presidência
O G20 foi criado em 1999 para ser um fórum de cooperação econômica internacional – em outras palavras: um espaço para construir soluções para as crises capitalistas mundiais. Atualmente, reúne África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia, além da União Africana e da União Europeia.
Reunidos, eles representam cerca de 85% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, mais de 75% do comércio global e cerca de dois terços da população do mundo.
Durante a 18ª Cúpula do G20 em Nova Délhi, na Índia, em 2023, o Brasil assumiu a presidência rotativa do bloco pelo período de um ano, que termina com a realização da Cúpula Social, entre 14 e 16 de novembro, e a reunião de chefes de Estado, nos dias 18 e 19 do mesmo mês, ambas no Rio de Janeiro. Na ocasião, o Brasil passará a presidência do G20 para a África do Sul, que vai liderar o bloco pelo próximo ano.
O governo brasileiro definiu como prioridades o combate à fome e às desigualdades; o enfrentamento às mudanças climáticas; e a reforma do sistema de governança global.
Além da reunião dos líderes dos Estados, esta edição também terá a participação de movimentos populares de diferentes países na Cúpula Social. Um dos maiores movimentos de luta por reforma agrária do mundo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), é um dos que estará representado.
Sustentabilidade, mudanças climáticas e transição justa
Ao priorizar o foco no combate às mudanças climáticas, o governo brasileiro propõe aos demais países que assumam compromissos para poluir menos, com modelos produtivos que mantenham as florestas em pé, e a usarem mais energia limpa, diminuindo a dependência do petróleo e dos combustíveis fósseis.
"Se continuarmos aumentando as emissões de gases de efeito estufa, podemos chegar no final deste século com uma boa parte do planeta inabitável", explicou ao Brasil de Fato Carlos Nobre, pesquisador do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU).
Para ele, o Brasil precisa assumir a vanguarda de uma mudança global. "Temos que ser o primeiro país de grandes emissões a zerá-las. Em 2022, 75% delas foram oriundas do desmatamento e 25%, da agricultura. E precisamos praticar a agricultura e a pecuária regenerativa."
Bárbara Loureiro, da coordenação nacional do MST, afirma que a raiz do problema está no atual modelo agrícola. "Tanto a fome quanto a crise ambiental são resultados do modelo do sistema capitalista que depende das desigualdades e dessas crises para seguir acumulando e construindo outras formas de gerar lucro", explica, ressaltando que os dois problemas estão relacionados.
Embora reconheça o empenho do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na pauta e a importância de combater o efeito estufa, Loureiro avalia que as propostas são limitadas, na medida em que os países mais ricos não estão dispostos a discutir as causas estruturais da crise climática, muito menos se comprometerem com as reais soluções do problema.
"No Brasil, além do agronegócio não produzir alimentos para a população, ele é o maior responsável por emissão de gás de efeito estufa, com seu modelo de logística, de produção e com o desmatamento, as queimadas", exemplifica a ativista.
Loureiro defende que as soluções para a crise ambiental passem pela escuta à sociedade civil, que tem levado adiante experiências de cuidado e conservação de biomas, invertendo a lógica do mercado.
"Não faz sentido as soluções serem propostas pelos mesmos atores que criaram esses problemas: os bancos, as corporações, as multinacionais. Eles criam o agronegócio, são agentes da crise ambiental, e agora estão dizendo que têm a solução", questiona.
"Queremos pensar em como a gente garante a realização de uma reforma agrária como instrumento de enfrentar o latifúndio, como enfrentar esse modelo do agronegócio, a partir de outra lógica de desenvolvimento econômico e social do campo, assim como da demarcação dos territórios indígenas, quilombolas, e da defesa dos territórios", finaliza.
Combate à fome, pobreza e desigualdades
A crise climática contribui para o encarecimento dos alimentos e tem impactado outro tema que é central para o Brasil à frente do G20: o combate à fome, pobreza e desigualdades. A principal proposta da presidência brasileira é a criação de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.
Ao Brasil de Fato, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, disse que a meta do governo é retirar o Brasil do Mapa da Fome até 2026, mas que medidas isoladas não são o caminho duradouro.
"A fome do meu país não é a fome do meu país, ela é a fome de todo mundo. Então, onde tiver alguém correndo o risco, nós precisamos estar juntos."
O ministro reconhece a importância do acesso à terra na luta contra a fome, mas também para combater a crise ambiental. "A terra é fundamental. Mais ainda agora, quando a gente tem esses impactos das mudanças climáticas", argumenta.
"Veja o que aconteceu com o Rio Grande do Sul. Olha o que acontece agora na Amazônia, a gente vivendo a seca, uma situação dramática, não mais apenas no Nordeste. É também o Sudeste, o Centro-Oeste, o Pantanal pegando fogo. É uma responsabilidade grande. E estamos trabalhando a regularização fundiária rural e urbana", completa Dias.
A pesquisadora Larissa Bombardi, autora dos livros Agrotóxicos e Colonialismo Químico e Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, considera que não é possível pensar em um futuro sustentável sem que se quebre o "monopólio de terras", em que 1% dos proprietários controla 50% das terras.
"O destino das terras tem sido para a produção de commodities, essas mercadorias que são comercializadas na Bolsa de Valores, que tem o seu preço estabelecido nesse grande cassino internacional", explica.
Bombardi aponta que isso faz com a produção de alimentos decaia, reduzindo, por exemplo, as áreas de plantio de arroz, feijão, trigo e mandioca. Segundo a pesquisadora, a área para cultivo de feijão diminuiu 40%.
"Fica claro um mecanismo que remete ao período colonial, ou seja, um deslocamento dessa agricultura capitalista, dessa monocultura, que avança sobre áreas de camponeses, de povos originários", conclui.
Cassia Bechara, do setor internacionalista do MST, aponta limites em alianças com países ricos. Segundo ela, além da responsabilidade desses países sobre as lógicas de desmatamento e uso de recursos naturais de forma não sustentável, eles também contribuem para um contexto cada vez mais agravado de guerras pelo mundo.
"Grande parte dos países do G20 são promotores de diversas formas de guerra, seja através do financiamento e apoio político a Israel, sejam as guerras econômicas contra Cuba, Venezuela, Irã, ou as guerras mascaradas contra o Haiti e outros países", lembra a ativista.