Festa das Águas celebra Iemanjá e Oxum, reforçando luta por praça dos Orixás em Brasília
A luta pela preservação e valorização da praça dos Orixás, localizada no Lago Paranoá, em Brasília (DF), foi um dos temas centrais da sexta edição da Festa das Águas. O evento, realizado no último fim de semana, entre 1º e 2 de fevereiro, reuniu povos tradicionais de terreiro do Distrito Federal para celebrar Iemanjá e fortalecer o debate sobre intolerância religiosa e a proteção dos espaços sagrados das religiões de matriz africana.
A presidente do Instituto Rosa dos Ventos e do Comitê de Cultura do DF, Stéffanie Oliveira, explica que a festa surgiu para marcar o 2 de fevereiro na capital federal. Como a celebração ocorre à beira do Lago Paranoá, as homenagens também são para Oxum, orixá das águas doces. Além do caráter religioso e cultural, a festividade incorpora um debate político sobre o racismo religioso e a falta de acesso a recursos públicos para os povos de matriz africana.
"É a mãe das águas salgadas e a mãe das águas doces que estão sendo saudadas neste dia [2 de fevereiro]. Além disso, tradicionalmente trazemos uma discussão política para a Festa das Águas, porque o racismo religioso e a violência contra o povo de matriz africana são uma realidade. As limitações de acesso a recursos públicos também são uma realidade", afirma Stéffanie.
Iemanjá é um dos orixás mais cultuados no Brasil, especialmente no candomblé e na umbanda. Sua devoção tem origem nos povos iorubás da África Ocidental e chegou ao Brasil durante o período colonial, durante o tráfico de africanos escravizados. Em Salvador, na Bahia, a Festa de Iemanjá é uma das maiores celebrações do país, reunindo milhares de devotos no dia 2 de fevereiro.
Em Brasília, onde não há mar, o Lago Paranoá se tornou o local sagrado para essa manifestação religiosa. “Aqui é a nossa praça de Iemanjá, é onde fazemos nossas oferendas e empoderamos nosso povo”, destaca Mãe Baiana, liderança do candomblé.
"O dia 2 de fevereiro é o Dia Nacional de Iemanjá, quando todo o Brasil celebra. Todas as pessoas, as cidades que têm praia, que têm mar, vão até esses espaços, pulam sete ondas, fazem seus pedidos, reconhecendo Iemanjá como nossa mãe, nossa rainha do mar. O Brasil reconhece. Então, Brasília não é diferente. Aqui não tem mar, não tem praia, mas temos o Lago Paranoá, justamente onde está situada a praça dos Orixás", explica Mãe Baiana.
A programação do evento incluiu apresentações musicais, danças tradicionais e uma feira de artesanato, proporcionando uma imersão na cultura afro-brasileira. Além das manifestações políticas e culturais, a Festa das Águas contou com o tradicional cortejo em homenagem a Iemanjá, no qual fiéis e simpatizantes lançaram oferendas ao Lago Paranoá.
Para a atriz e escritora Cristiane Souza, participar do evento é um ato de reafirmação da identidade religiosa. “É um momento de visibilidade para as religiões de matriz africana e fortalece nossa presença na capital do país”, afirmou.
Festa das Águas contou com o tradicional cortejo em homenagem a Iemanjá, no qual fiéis e simpatizantes lançaram oferendas ao Lago Paranoá / Foto: Maria de Aquino/Reprodução
Mesa de abertura
O evento contou com a presença de diversas lideranças religiosas, deputados distritais e representantes do governo federal. Durante a mesa de abertura, foi destacada a importância da promoção da cultura e da proteção dos terreiros no Distrito Federal.
Para Lindivaldo Oliveira, diretor do Sistema Nacional de Cultura, a participação social é essencial para garantir o monitoramento das políticas públicas voltadas à cultura. “Brasília pode ser exemplo da força dos terreiros, pois a tradição de matriz africana é a base da cultura. Ninguém faz música no Brasil sem os Ogãs”, ressaltou.
Também presente no evento, a secretária dos Comitês de Cultura do governo federal, Roberta Martins, destacou que Brasília deve ser a cidade que se compromete com a democracia e com a pluralidade. “Nós representamos a resistência da humanidade, daqueles que dizem que negros, daqueles que dizem que pobres, daqueles que dizem que mulheres, que ousam pensar diferente, que ousam fazer diferente, não têm direito de colocar sua palavra.”
“A palavra, a fala, a opinião é patrimônio da humanidade e a humanidade tem-nos sido negada pela nossa cor, pela nossa história e pelo que trouxemos além-mar, e que são tão bem representadas pelos nossos turbantes, colares, nossos colares dos nossos ancestrais”, falou Roberta.
Durante a mesa, o deputado distrital Gabriel Magno (PT) ainda destacou a Festa das Águas como uma defesa para a democracia. Segundo ele, os atos golpistas do 8 de janeiro representaram o que os povos de terreiros vivenciam em seu cotidiano. “A expressão da violência, da invasão, de atacar as figuras e os simbólicos é uma expressão que essa turma sempre usou contra os povos tradicionais e povo de terreiro nesse país.”
Desmonte da praça dos Orixás
A praça dos Orixás e a Festa de Iemanjá são patrimônios material e imaterial do Distrito Federal, representando memória, luta e preservação das culturas afro-brasileiras. O espaço e a festividade foram declaradas patrimônios materiais e imateriais do DF por decisão do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural do DF (Condepac), sendo incluídas no Livro dos Lugares e no Livro das Celebrações, resguardados pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF (Secec).
No entanto, nos últimos anos, o espaço tem sido alvo de ataques, com a destruição de imagens sagradas. “Fizeram um massacre com nossas estátuas. Dos 16 orixás da praça, quatro foram depredados. Precisamos de reparação e atenção urgente para nossa cultura”, denunciou Stéffanie Oliveira.
Estátua que representa o orixá Ibeji foi queimada / Foto: Divulgação do Instituto Rosa dos Ventos
“Existem muitos olhares para essa praça, mas olhares de quererem estar aqui por um projeto comercial, mas na nossa praça ninguém vai mexer. Ela não vai ser um projeto comercial, ela vai ser sempre a praça do povo de matriz africana. O lugar onde os nossos terreiros se encontram para festejar, o lugar onde nossa cultura popular se encontra para festejar, o lugar onde a gente se encontra para se unir e lembrar de que a brasilidade vem dos terreiros”, também ressaltou Stéffanie.
O presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Leandro Grass, reforçou a necessidade de preservação do local. “Esse espaço não pode ser um lugar de violência e intolerância religiosa, mas de encontro, comunhão e diversidade. É fundamental cobrar do poder público a manutenção, iluminação e segurança da praça dos Orixás”, afirmou.
O deputado distrital Fábio Felix (Psol) destacou que os ataques à praça são reflexo do racismo religioso estrutural. “Essa festa é uma forma de resistência. Ocupar esse espaço hoje significa enfrentar o racismo religioso”, afirmou.
Mãe Baiana explica que o local também é para debates sobre política pública, necessidade do povo preto e dos terreiros. “Aqui, a gente traz os nossos governantes, no caso os nossos deputados distritais, a gente traz aqui o governo federal para falar que tipo de política pública nos cabe, que tipo de política pública nós queremos”, diz.
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Fonte: BdF Distrito Federal