Lei inconstitucional retira direitos sociais de quem luta por reforma agrária no Mato Grosso
O governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União) aprovou no começo de fevereiro uma lei que impõe penalidades ao que chama de "invasores" de terras privadas no estado, seja no campo ou na cidade.
A Lei 12.430 diz que quem for identificado como ocupante ilegal não poderá receber assistência e benefícios dos programas sociais do governo estadual, assumir cargos públicos de confiança ou firmar contratos com o estado.
O procurador Júlio Araújo, do Ministério Público Federal (MPF) do Rio de Janeiro, disse que a lei é claramente inconstitucional e pode estimular conflitos por terra. Segundo ele, os direitos sociais são conquista da população — e não uma concessão opcional de governos estaduais.
"Essa lei traz muita preocupação por conta de uma série de desrespeitos ao conjunto de direitos que a Constituição estabelece. E ela causa um risco de agravamento da violência, principalmente a violência no campo", afirmou o procurador federal.
Segundo o MPF, a legislação usa o termo "invasão", que juridicamente significa se apropriar de terras alheias para benefício econômico privado — como fazem os fazendeiros ricos do estado contra terras indígenas.
O verdadeiro alvo dela, no entanto, são as ocupações, previstas no ordenamento jurídico como forma legítima de pressão pela reforma agrária e conduzidas por famílias vítimas da grande concentração fundiária no estado.
Bolsonaristas atacam direito de luta pela terra
A lei é de autoria do deputado estadual e pré-candidato a prefeito de Rondonópolis (MT) Claudio Ferreira (PL), que se apresenta como apoiador do agronegócio e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O governador Mauro Mendes, também bolsonarista, celebrou a nova legislação. Ele declarou que o Mato Grosso adotou "política de tolerância zero" para o que chama de invasão de terras.
Para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as sanções inconstitucionais são uma tentativa de criminalizar movimentos de luta por reforma agrária.
"É evidente que o objetivo dessa lei é atingir aqueles que recebem direitos sociais. O programa social do governo do estado oferece 200 reais por mês para algumas famílias. No Mato Grosso, por exemplo, cerca de 25% das pessoas recebem o Bolsa Família. Isso indica uma população gigantesca que não se encaixa no estado do agronegócio e do capitalismo", avaliou Vanderly Scarabeli, dirigente estadual do MST no Mato Grosso.
"Essas pessoas, cientes disso, buscarão meios estruturais para resolver sua situação, e uma das formas é através da luta coletiva pela terra. Portanto, é evidente que essa lei, ao criminalizar a luta, é inconstitucional. Não se trata de pedir direitos sociais, mas de direitos que as famílias conquistaram", concluiu o integrante do MST.
Procuradores querem que STF declare inconstitucionalidade
Após a sanção da lei, cinco procuradores do Ministério Público Federal pediram à Procuradoria-Geral da República (PGR) que mova uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a lei no STF.
Além de Julio Araújo, o pedido é assinado pelos procuradores Matheus Bueno, Marcia Zollinger, Marcio Araujo e Raphael Luis Bevilaqua, integrantes do Grupo de Trabalho de Reforma Agrária e Conflitos Fundiários do MPF. O documento foi obtido com exclusividade pelo Brasil de Fato.
"Essa lei tem o suposto objetivo de proteger a propriedade e os proprietários contra possíveis invasores. Por isso, movimentos sociais que se mobilizam em torno do tema da reforma agrária e da reforma urbana são afetados", diz Julio Araújo.
"No entanto, na realidade, sob esse pretexto e suposto objetivo, a lei promove uma série de violações preventivas, ou a priori, de direitos básicos que todas as pessoas e grupos que se mobilizam por direitos deveriam ter", prossegue o integrante do MPF.
Estado do agro tem aumento de conflitos por terra
Maior produtor de soja, milho e algodão em 2022, o Mato Grosso é um dos estados com maior concentração de terras no país. Em 2022, registrou aumento de 60% nos conflitos por terra, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). As vítimas foram famílias sem terra, indígenas e quilombolas.
Para o dirigente estadual do MST, a lei não deve surtir o efeito esperado pelo governo estadual, que é o de inibir a luta coletiva pela reforma agrária.
"A população que depende das lutas sociais não se resolve com esse tipo de lei. Ela não elimina a contradição da desigualdade na sociedade. Portanto, as pessoas continuarão lutando, pois a fome e a falta de condições de vida são mais fortes do que uma lei inconstitucional", pontua Vanderly Scarabeli, do MST-MT.