Em Rondônia, áreas de conflito viram assentamentos
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) anunciou a consolidação de novos projetos de assentamentos no município de Seringueiras, a 533 quilômetros de Porto Velho, e Alto Paraíso, a 130 Km, em Rondônia. São áreas anteriormente ocupadas por acampamentos da Liga dos Camponeses Pobres de Rondônia e da Amazônia Ocidental LCP), nos quais ocorreram casos de violência física e tortura psicológica. Nove anos depois da paralisação de assentamentos, o estado destina áreas de terras à criação de novos projetos de assentamentos, os PAs na linguagem do Incra.
De acordo com o Incra, 574 famílias se beneficiam com a medida. Em sua fase de recuperação orçamentária depauperada há pelo menos uma década, a autarquia conta agora com o apoio do Instituto Federal de Rondônia (IFRO).
Seus técnicos irão elaborar ações preparatórias com vistas à titulação das terras dos projetos de assentamento e glebas públicas federais no estado. Eles utilizam o Sistema Eletrônico de Informações, georreferenciamento e Plataforma de Governança Territorial, uma experiência iniciada em 2021. O Cadastro Ambiental Rural que antes funcionava no âmbito do governo estadual também colabora com a autarquia, ficando sob sua responsabilidade.
O Projeto de Assentamento Formosa substituirá o antigo Acampamento 10 de maio, da LCP. Durante o período de ocupação, os irmãos camponeses Nivaldo e Jesser Batista Cordeiro foram assassinados a tiros no Km 25 da Linha C-50. A fazenda desapropriada pelo Incra em 1995 havia sido comprada pelo latifundiário Caubi Moreira Quito.
Em 25 de janeiro de 2015, após a resistência dos acampados, a Justiça Estadual suspendeu a reintegração de posse. No entanto, conforme relata a CPT, as famílias foram surpreendidas com o assassinato de José Dória dos Santos, antigo integrante do acampamento. E no dia 11 de maio daquele ano, outros dois camponeses foram encontrados mortos nas proximidades do acampamento.
Eram aproximadamente duzentos camponeses os ocupantes da Fazenda Bom Futuro, na Linha 14 em Seringueiras, reconhecida como área pública com pouco mais de 11 mil hectares. Conforme a CPT, em agosto de 2016 o pretenso proprietário, o capitão da reserva Augusto Nascimento Tulha procurou a delegacia de polícia e registrou boletim de ocorrência no qual relatou ter sido ameaçado por seis homens armados que lhe obrigaram a sair da fazenda.
Em seguida, sem nenhuma ordem de reintegração de posse, 36 viaturas e um ônibus lotados com policiais, um helicóptero igualmente lotado entraram na área da fazenda para despejar os ocupantes, mas se depararam com a resistência deles. Os camponeses colocaram um trator da fazenda na ponte de acesso. Um vídeo mostrou uma barricada e imagens do helicóptero com atiradores disparando contra a mata.
Segundo a PM, integrantes da LCP haviam atirado contra o helicóptero e o comandante ordenara a retirada das tropas “para evitar um derramamento de sangue”.
Ainda conforme a CPT, a área ocupada pelos camponeses era conhecida por Riacho Doce e fora grilada por Sebastião de Peder e família. Na sequência, teriam sido arrendadas por um amigo pecuarista de Barretos (SP).
Em 2008 o INCRA já notificara o fazendeiro que adotaria os procedimentos legais para destinar o imóvel ao assentamento das famílias. A demora na decisão deu início a uma grande disputa pela posse das terras. Conforme denúncias dos camponeses em 2013, o representante desse grupo era o fazendeiro Artemiro Kraus, conhecido como “Timiro”. Ele cria muito gato na região e uma de suas fazendas teria 5 mil ha.
Apesar das forças desiguais, a resistência dos camponeses aconteceu depois de oito vezes despejados entre 2008 e 2013.
Segundo o coordenador Geral do Projeto GeoRondônia, Uberlando Leite (do IFRO), a criação dos novos PAs é importante, porque os derradeiros até então criados datam de 2015. “As comunidades se beneficiam na segurança jurídica sobre a titulação das terras; oportunidade de crédito rural para impulsionar a produção agropecuária; e o desenvolvimento sustentável ambiental”, assinalou Leite.
Já o chefe da Divisão de Desenvolvimento e Consolidação do INCRA, Claudinei Barreto da Silva, o Projeto GeoRondônia assegurou 100% de precisão na delimitação das áreas de Bom Futuro e Formosa. “Esses são 3 PAs que já nascem 100% georreferenciados.
Já no PA Riacho Doce, além do georreferenciamento, houve também a participação no levantamento da situação ambiental da área para conclusão do laudo agronômico de viabilidade, requisito para a criação de assentamentos.
Fraudes em títulos de terras
No início de outubro deste ano, a Operação Declínio, da Polícia Federal, cumpriu 11 mandados de busca e apreensão e detectou que um grupo – nomes não mencionados – que utilizava “laranjas” para fracionar indevidamente glebas federais e falsificar títulos de propriedade em benefício próprio.
Delegado e agentes identificaram lotes fraudados nas Glebas Baixo Candeias e Igarapé Três Casas, bem como, ocupações irregulares das Fazendas Ipê e Mustang. Os envolvidos deverão responder por estelionato majorado, associação criminosa, falsidade ideológica, corrupção passiva, corrupção ativa, invasão de terra pública e lavagem de capitais.
Ao Varadouro, o superintendente do INCRA em Rondônia, Luís Flávio Carvalho Ribeiro, disse que na fase da investigação “não há como a atual gestão se manifestar a respeito do assunto.” “Do mesmo modo em relação aos servidores”, acrescentou.
Segundo Ribeiro, “todo o apoio está sendo prestado pelo INCRA aos agentes, para acesso às informações requisitadas e esclarecimento da verdade dos fatos, ocorridos em gestões passadas, no período de 2017 a 2019.”
Crédito para quilombolas
A Superintendência informou, ainda, que a comunidade quilombola de Santa Fé, a 10 Km do município de Costa Marques, foi beneficiada com o chamado crédito instalação oferecido pelo INCRA para atividades produtivas das famílias e construção de habitações.
No dia 11 os contratos foram assinados: 27 famílias terão acesso às modalidades: Apoio Inicial (R$ 8 mil por família) Fomento (R$ 16 mil), Fomento Mulher e Jovem (R$ 8 mil cada) e Habitação (R$ 75 mil), totalizando R$ 2 milhões 855 mil.
Emater e Prefeitura de Costa Marques serão responsáveis pela elaboração e acompanhamento da execução dos projetos. “Desde 2006 teve início o resgate da história e a luta da comunidade e hoje a gente vê tudo melhorando; já temos uma agroindústria (farinheira) ainda não terminada e a luta continua”, disse ao INCRA a presidente da Associação da Comunidade Santa Fé, Mafalda Gomes.
Informes do MPF
● Atualmente, o Ministério Público Federal trabalha em 67 procedimentos relacionados à reforma agrária e questões fundiárias de ocupação e grilagem de terras públicas em Rondônia.
● Dentre estes procedimentos, estão investigações sobre ações violentas contra trabalhadores rurais sem-terra em Ariquemes, Machadinho d’Oeste, Theobroma, Rio Crespo, Cujubim, Itapuã do Oeste, Nova Mamoré, entre outros municípios rondonienses.
● Os procedimentos versam sobre morte de trabalhador rural sem-terra, conflito armado, ameaças de morte, ameaças diversas, milícia armada, apuração de medidas adotadas pelo Incra para identificação e regularização fundiária de áreas e acompanhamento de processos de desapropriação para fins de reforma agrária.