Mesmo com recorde de público, carnaval de BH ainda falha em gestão, apontam especialistas
Sucesso de público, o carnaval de Belo Horizonte, em 2024, levou cerca de 5,5 milhões de pessoas às ruas para curtir a folia, que, este ano, durou 23 dias. Os indicadores da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) apontam que, desse número, cerca de 262 mil eram turistas.
Mesmo com a expressividade dos números, blocos de rua, blocos caricatos e escolas de samba compartilham ressalvas em relação ao modo como a festa tem sido organizada, principalmente em relação às políticas públicas e às tomadas de decisão.
Márcio Eustáquio, presidente da Liga das Escolas de Samba de Minas Gerais, acredita que o aumento de 6% no subsídio oferecido ao grupo especial das escolas não foi suficiente para sustentar o trabalho realizado neste ano. O valor oferecido passou de R$230 mil, em 2023, para R$243.800, em 2024.
“Tem escola que gastou R$ 1 milhão. Se não entenderem o concurso de carnaval de passarela como a grande estrela do carnaval, como acontece em outras praças, a gente vai ficar aquém de entender que o avanço turístico poderia ser muito maior e o retorno financeiro também”, alerta.
Co-fundadora do Bloco Afro Angola Janga, Nayara Garófalo aponta que o carnaval de 2024, como de costume, foi espaço de defesa de várias lutas, e de encontro das diversas localidades, classes e motivações. Este ano, pela primeira vez em oito anos de existência, o bloco Angola Janga operou com patrocínio, no entanto, segundo ela, essa não foi a realidade de todos os cortejos.
“O carnaval de BH é sempre muito bom para os fornecedores, para o dono do trio elétrico, para os hoteis, restaurantes e bares, para os cofres públicos, mas nunca chega na ponta, que são os blocos, as escolas de samba, os blocos caricatos”, reforça.
Gestão ineficiente
Márcio aponta como uma das causadoras desses problemas a ausência de uma política de governo que seja capaz de garantir a realização da folia. Para ele, isso deixa os grupos, sobretudo as escolas de samba, à mercê das decisões tomadas pela Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur), que organiza o carnaval belo-horizontino.
“Não consigo entender porque a Secretaria Municipal de Cultura não faz a gestão da cultura carnavalesca dessa cidade, e sim um departamento especializado em eventos”, observa.
Nayara Garófalo acredita que a secretaria e a Belotur precisam atuar com unidade e em conjunto com os blocos e as agremiações.
“A falta de ação da Secretaria de Cultura no carnaval reforça a ideia de que nós não estamos fazendo cultura. Parece que nós estamos fazendo uma grande bagunça. E não é verdade, nada aqui é bagunça”, realça.
O carnaval acabou, e agora?
A divisão administrativa para gerir o carnaval respinga no pós-festa, uma vez que os desafios enfrentados pelos grupos culturais quando chega ao fim o período carnavalesco são muitos.
Márcio lembra que as escolas de samba já estão com os olhos atentos ao próximo ano, mas que os problemas são antigos, como a falta de quadra e de lugar para ensaiar, e ausência de fomento. Esse obstáculo, segundo ele, poderia ser solucionado com uma política cultural que não esteja focada apenas em eventos.
“Quem avalia o carnaval é a Belotur, que não sabe o que é evolução, não sabe o que é conjunto, não sabe o que é alegoria”, sinaliza.
Potencialidade política da festa
Ainda que diante de impasses, Nayara demarca a importância do carnaval como uma festa democrática, sobretudo para os blocos afro, que, para ela, têm uma função civilizatória.
“Eles [os blocos afro] são os responsáveis por preservar a cultura afro e, portanto, toda a base da cultura em que é feito o carnaval brasileiro”, conta.
Ela explica que hoje, diversos blocos com formatos, formas de ensino e saberes diferentes, preservam a cultura e fazem com que a população se abra ao conhecimento. Além de reforçar o importante trabalho social que os grupos realizam nas periferias, escolas e universidades.
Nayara lembra que o Kandandu, do qual é uma das idealizadoras, foi reconhecido, em 2018, pelo Ministério dos Direitos Humanos como uma das principais ações de promoção da igualdade racial do país. O evento é um encontro de blocos afro de BH, que abre oficialmente o feriado de carnaval na cidade.
Outro lado
O Brasil de Fato MG entrou em contato com a Belotur para comentar o conteúdo desta reportagem, mas até o momento da publicação, não obteve resposta. O espaço segue aberto para manifestações.
Fonte: BdF Minas Gerais