COP29: Marina Silva critica fala de presidente do país-sede e apresenta proposta de redução de emissões
Os países que fazem uso dos "presentes de Deus" que são os recursos naturais devem ser moderados no seu consumo, declarou nesta quarta-feira (13) a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, na COP29, em Baku, capital do Azerbaijão.
A declaração da ministra foi em resposta à fala de abertura da cúpula climática de Baku feita pelo presidente do Azerbaijão e anfitrião, Ilham Aliev.
Os hidrocarbonetos são "um presente de Deus" e "os países não devem ser culpados por terem ou por trazerem estes recursos para o mercado, porque o mercado precisa deles", havia dito Aliev na véspera.
"Ele [Deus] sempre pede que sejamos bastante comedidos em relação aos presentes que ele nos dá. Por exemplo, se comermos açúcar demais, com certeza ficaremos diabéticos", declarou a ministra em coletiva de imprensa da conferência.
O Brasil é o principal produtor de petróleo da América Latina, com média de 3,5 milhões de barris por dia. Assim como o Azerbaijão, não renuncia a explorar os seus recursos, mesmo sendo incompatíveis com os objetivos climáticos propostos para o país.
Metas ambiciosas…
Nesta quarta, durante a COP29, o Brasil apresentou para a ONU sua nova contribuição nacional para a redução de gases de efeito estufa (NDC). Entre agora e 2035, o país planeja reduzir as suas emissões entre 59% e 67% em relação ao ano de 2005.
Isso representa uma redução entre 1,51 e 1,71 gigatonelada equivalente de CO₂, segundo os mesmos números oficiais.
"Estamos dando uma contribuição para liderar pelo exemplo e, com isso, ajudar a encorajar que outros países tenham metas igualmente ambiciosas. Nós somos um país em desenvolvimento", explicou a ministra Marina.
A COP29 recebeu uma cúpula de líderes com a presença de dezenas de chefes de Estado e de Governo. Pelo Brasil, além da ministra do meio ambiente também está presente o vice-presidente, Geraldo Alckmin, que compareceu no lugar de Lula. O Brasil sediará a COP30 no próximo ano em Belém.
Podem ser metas incompatíveis
Especialistas em clima criticaram a meta proposta de emissão de NDC do Brasil, que, segundo os números divulgados, é ambiciosa, e isso sem contar a meta de desmatamento zero proposto. "Queremos chegar ao desmatamento zero em 2030", disse a ministra.
O objetivo proposto pelo governo brasileiro equivale, em termos absolutos, a uma redução nas emissões para atingir entre 850 milhões e 1,05 bilhão de toneladas de gás carbônico em 2035.
Mas essa faixa não é compatível com o objetivo global de manter o aumento da temperatura média do planeta em +1,5 °C, segundo o Observatório do Clima, entidade brasileira independente.
As metas de corte de emissão da NDC brasileira, divulgadas nesta quarta pelo país, "não estão desalinhadas apenas com o objetivo de 1,5 °C do Acordo de Paris: elas também estão fora de sintonia com compromissos já assumidos pelo próprio Brasil", declarou o instituto.
Além disso, o Brasil tem planos próprios para expandir a exploração do petróleo, lembrou o Observatório. Em nota, eles recomendaram ao Brasil diminuir o limite para o piso mais baixo de 850 milhões de emissão de CO₂ e como orientação elaborar os planos setoriais de mitigação, que devem ser entregues em 2025.
Pechincha "humilhante"
O líder interino de Bangladesh, Muhammad Yunus, considerou também nesta quarta que ter que lutar pelo financiamento climático na COP29 é "muito humilhante" para os países mais pobres, que sofrem as consequências diretas da mudança climática sem serem os responsáveis por ela.
"Acho muito humilhante para as nações ter que pedir dinheiro para resolver […] o problema que outros lhes causaram", disse o vencedor do Prêmio Nobel da Paz à agência de notícias AFP em uma entrevista próxima da cúpula do clima no Azerbaijão.
Durante as negociações em Baku, as nações esperam chegar a um acordo para aumentar significativamente o financiamento da ação climática a países em desenvolvimento, como Bangladesh. "Por que estamos sendo arrastados até aqui para negociar? Sabemos bem qual é o problema", acrescentou.
Alguns desejam um aumento de 10 vezes em relação aos atuais US$ 100 bilhões (R$ 577 bilhões) para cobrir os custos do abandono dos combustíveis fósseis e da adaptação aos desastres climáticos.
Mas os países desenvolvidos que deveriam pagar mais para compensar as emissões de cada um, como os Estados Unidos, membros da União Europeia e China, estão relutantes em comprometer valores tão grandes.
"Não estamos em um mercado de peixe", disse Yunus, economista de 84 anos e atual líder do governo interino, depois de uma onda de protestos ter derrubado o governo da primeira-ministra Sheikh Hasina.
Segundo ele, as nações ricas deveriam colocar um número na mesa. "É você quem deve determinar a quantia necessária, não eu", declarou. "Não se trata de pechinchar. Não se trata de negociar. Trata-se de encontrar uma solução", finalizou.
Bangladesh é um dos países mais vulneráveis à mudança climática, com enchentes e ciclones que afetam frequentemente a nação de cerca de 170 milhões de habitantes.
Em agosto, 40 pessoas morreram nas cheias e quase 300 mil foram forçadas a se refugiar em abrigos de emergência.
França não participará
A ministra da Ecologia da França anunciou, nesta quarta, o cancelamento de sua participação nas negociações sobre o clima da COP29 no Azerbaijão, após o presidente do país acusar a França de "crimes" colonialistas na Nova Caledônia, no último confronto diplomático bilateral.
O presidente Ilham Aliev, anfitrião das negociações da ONU sobre o clima, recebeu aplausos dos delegados de algumas nações insulares do Pacífico após um discurso combativo no qual criticou Paris pelos protestos sangrentos que abalaram o arquipélago francês do Pacífico em maio.
“Os crimes da França em seus chamados territórios ultramarinos não estariam completos sem mencionar as recentes violações dos direitos humanos”, disse Aliev. "O regime do presidente Macron matou 13 pessoas e deixou 169 feridos […] durante protestos legítimos do povo Kanak, em Nova Caledônia", acrescentou.
A ministra de Ecologia, Agnès Pannier-Runacher, respondeu rapidamente, dizendo aos legisladores em Paris que estava cancelando sua participação nas negociações em protesto contra o discurso "deplorável" de Aliev. Seu ataque é "inaceitável (…) e indigno da presidência da COP", declarou.
Apesar de sua saída, Pannier-Runacher afirmou que a equipe de negociadores franceses em Baku não cederia em seus esforços para chegar a um acordo "que proteja o planeta e seu povo" da mudança climática.
As relações entre Paris e Baku estão muito tensas devido ao apoio da França à rival do país, a Armênia. No ano passado, uma ofensiva militar relâmpago permitiu às tropas do Azerbaijão recuperar a região de Nagorno-Karabakh, povoada por armênios.
*Com AFP e Observatório do Clima