Mauro Vieira diz que Brasil não quer romper relações com a Venezuela e reforça que situação deve ser resolvida pelos venezuelanos
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, reforçou nesta quarta-feira (13) a posição de que o governo brasileiro não tem intenção de romper relações com a Venezuela. Durante audiência na Comissão de Relações Exteriores do Congresso Nacional, o chanceler disse que o diálogo com Caracas continua “normal” e que a saída do embaixador venezuelano em Brasília não será definitiva.
A fala do ministro vem na esteira das declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No domingo, o chefe do Executivo brasileiro afirmou que não questionaria a decisão da Suprema Corte de outros países para que essas críticas não respinguem no Brasil no futuro.
“A solução precisa ser construída pelos próprios venezuelanos e não imposta de fora, com mais sanções e isolamento. Isso nós já vimos que não funciona. Não podemos repetir os erros que cometemos na época da autoproclamação de Guaidó como presidente”, disse Vieira. Em 2019, o então presidente Jair Bolsonaro, reconheceu o deputado autoproclamado Juan Guaidó como chefe do Executivo venezuelano, depois de Nicolás Maduro ser reeleito em 2018.
O ministro também reforçou o que o próprio assessor especial do governo brasileiro, Celso Amorim, havia dito também em uma sessão da Comissão de Relações Exteriores: o Brasil não vai romper relações com um país vizinho.
"Ainda que as circunstâncias imponham uma inevitável redução do dinamismo do relacionamento bilateral, isso não significa, de forma alguma, que o Brasil deve romper relações ou algo dessa natureza com a Venezuela. Pelo contrário, diálogo e negociação, e não isolamento, são a chave para qualquer solução pacífica na Venezuela", afirmou.
Vieira havia sido convocado para participar de uma audiência para falar sobre a situação envolvendo o Brasil e a Venezuela em 17 de outubro, mas foi cancelada por uma questão de agenda. O requerimento para a audiência foi um pedido do senador Ciro Nogueira (PP-PI).
O chanceler também falou sobre a convocação do embaixador da Venezuela de Brasília, Manuel Vadell, para consultas. Caracas afirmou que a medida foi tomada depois das declarações “intervencionistas e grosseiras” de Amorim. Segundo Vieira, essa saída não foi definitiva e citou seu próprio exemplo para demonstrar que essa é uma situação normal nas relações entre diferentes países.
“A questão do embaixador é que ele não foi retirado definitivamente. O embaixador da Venezuela em Brasília foi chamado para consultas por um período. Fui embaixador em Buenos Aires em um período excelente de relações bilaterais e fui, uma ou duas vezes, chamado para consultas por questões, por atritos, por diferenças que precisam ser explicadas", disse.
As declarações de Mauro Vieira colocam mais panos quentes para uma relação que esquentou nas últimas semanas, especialmente depois que o Brasil vetou a entrada dos venezuelanos no Brics. A decisão não foi justificada pelo governo brasileiro, o que irritou a diplomacia venezuelana.
Na segunda-feira (11), Maduro elogiou a postura de Lula de garantir a “não interferência” em assuntos internos de outros países. Segundo o venezuelano, a fala foi uma reflexão “sábia” do petista e completou: “Ponto a favor de Lula”.
“Estou de acordo com Lula. Cada país tem que buscar sua maneira de resolver seus assuntos, seus conflitos, seus problemas. O Brasil com suas instituições e sua dinâmica nacional soberana, e a Venezuela com nossa dinâmica também soberana. Me parece uma reflexão sábia de Lula. Podia dizer: Ponto a favor de Lula “, disse o venezuelano em seu programa semanal Con Maduro +.
Crise entre Venezuela e Brasil
A tensão envolvendo os dois países vizinhos começou na corrida eleitoral venezuelana. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) brasileiro enviaria dois observadores para acompanhar o pleito, mas desistiu depois de Maduro afirmar que as urnas brasileiras "não são auditadas". Em vez de observadores, o governo brasileiro enviou o assessor especial, Celso Amorim, para Caracas durante as eleições.
Maduro foi eleito para um terceiro mandato com 51,97% dos votos contra 43,18% do opositor Edmundo González Urrutia. A oposição venezuelana contestou o resultado e afirmou ter recolhido mais de 80% das cópias das atas eleitorais e, segundo a coalizão de direita Plataforma Unitária, isso garantiria a vitória de Urrutia.
Isso, somado a denúncia de um ataque hacker contra o sistema eleitoral da Venezuela, levaram Maduro a pedir investigação da Justiça. O órgão eleitoral atrasou a divulgação dos resultados detalhados alegando a atuação hacker, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) venezuelano investigou os supostos ataques, recolheu todo o material eleitoral do órgão e ouviu 9 dos 10 candidatos que disputaram o pleito. Só Edmundo González Urrutia não compareceu.
O governo brasileiro começou a articular com Colômbia e México a mediação da questão eleitoral venezuelana. Os três governos emitiram duas notas conjuntas pedindo a publicação das atas eleitorais pelo CNE e não pela Justiça do país. O TSJ da Venezuela validou a eleição de Maduro e pediu a publicação dos resultados desagregados em até 30 dias. No entanto, mais de 3 meses depois do pleito, os resultados ainda não foram publicados e o site do órgão eleitoral continua fora do ar.
Lula então passou a oscilar entre pedir que a situação seja resolvida internamente, sugerir a realização de novas eleições e dizer que não reconhecia a vitória de Maduro se os resultados das atas não fossem publicados e, consequentemente, sua vitória nas urnas fosse comprovada de forma independente.
A relação entre Venezuela e Brasil se estabilizou momentaneamente até a cúpula do Brics, realizada em Kazan, na Rússia, de 22 a 24 de outubro. Nela, o governo venezuelano esperava ser incorporado ao grupo na categoria de “Estado parceiro”, mas ficou de fora da lista de 13 novos integrantes por um veto do Brasil. A decisão do Itamaraty revoltou os venezuelanos.
O motivo do veto não foi justificado publicamente pelo governo de Lula. O presidente não compareceu ao evento e enviou o chanceler, Mauro Vieira, para chefiar a delegação. Caracas afirma que a decisão foi uma “punhalada nas costas” e que a medida de “ingerência” do governo brasileiro é uma forma de interferir na política local.
Em audiência na Câmara dos Deputados, Amorim reforçou que a questão do pleito deve ser resolvida por venezuelanos e que o Brasil não reconhece a eleição do presidente Nicolás Maduro, até que sejam apresentados os resultados desagregados. Amorim não explicou claramente o veto no Brics. Primeiro, disse que é preciso ser um país com influência e que represente a região, algo que, para ele, a Venezuela não cumpre. Em um segundo momento, citou o mal estar entre os governos brasileiro e venezuelano.
Em resposta à fala do assessor especial, o governo da Venezuela convocou o embaixador venezuelano no Brasil, Manuel Vadell, para consultas. Em nota, Caracas afirmou que a medida foi tomada depois das declarações “intervencionistas e grosseiras” de Amorim. A chancelaria venezuelana também convocou o encarregado de negócios do Brasil em Caracas para demonstrar “rechaço” às declarações de representantes do governo brasileiro em relação ao processo eleitoral do país.