MST soma 66% das ações dos movimentos populares do campo de 2020 a 2023, aponta DataLuta
A partir do Banco de Dados das Lutas por Espaços e Territórios (DataLuta), temos levantado e sistematizado notícias sobre as ações dos movimentos socioespaciais e socio territoriais desde 2020, tendo uma amostra da realidade do espaço agrário brasileiro. Entre 2020 a 2023, reunimos 1.303 ações dos movimentos do campo e, entre elas, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizou e/ou participou de 865, representando 66% de nosso banco de dados.
Isso demonstra a centralidade do MST nas disputas do campo e nos revela a importância do movimento para avançarmos na pauta da Reforma Agrária Popular. Com 40 anos de existência, o MST vem avançando na construção de um modelo de desenvolvimento alternativo ao do agronegócio, fundamentado na proposta da reforma agrária.
Em termos da espacialização das ações do movimento por macrorregiões do Brasil, observamos que o Nordeste concentrou maior número, com 251 (29%), mostra o DataLuta. Em seguida, temos o Sul com 218 (25%), Sudeste com 216 (24%), Centro-oeste com 135 (15%) e, por fim, o Norte, com 45 (5%).
Já em relação à escala, forma e conteúdo das ações, verificamos uma diversidade de tipologias, refletindo a complexidade de organização e mobilização do MST, disputando e ocupando todas as dimensões (política, econômica, social, cultural e ambiental) e escalas (local, regional, estadual, nacional e internacional) dos espaços e territórios.
Entre 2020 a 2022, vivenciamos no Brasil simultaneamente a pandemia do novo coronavírus, o desgoverno de Jair Bolsonaro e o avanço do agronegócio, intensificando a crise política, social, econômica, ambiental e de saúde pública nacional.
Segundo Dados do II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN), temos que, no final de 2020, 19,1 milhões passavam a fome. Em 2022, esse número saltou para 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer.
Articulação
Nessa conjuntura, o MST contribuiu com doações de alimentos saudáveis e nutritivos, produzidos nos territórios de acampamentos e assentamentos, sendo destinados às comunidades urbanas, das florestas e das águas, contabilizando 112 ações em todas as regiões do país.
Para realizar esse conjunto tão significativo de doações de toneladas de alimentos, levando dignidade às famílias de todos os espaços e territórios, o MST se articulou com diversos outros movimentos e organizações populares, como o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Movimento Comissão Pastoral da Terra (CPT), Levante Popular da Juventude (LPJ), Frente Brasil Popular (FBP) e Consulta Popular (CP).
Em 2023, com o primeiro ano do governo Lula III, observamos uma retomada do governo federal em dialogar com os movimentos para reconstruir pastas ministeriais e políticas públicas voltadas aos interesses dos camponeses e camponesas. Dentre eles, temos a reestruturação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que representou uma demonstração do governo em retomar instrumentos institucionais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Comunicação
No entanto, em 2023, não observamos avanços significativos na criação de novos assentamentos de reforma agrária, sendo constante a pressão do MST com ações comunicativas (notas públicas, cartas abertas, participação em podcast e entrevista concedida), contabilizando 45 ações.
É importante ressaltar que as ações comunicativas do MST em 2023 também foram instrumentos de denúncia da "CPI do MST", uma investida do agronegócio contra o movimento. Durante a CPI, vários representantes do MST e pesquisadores foram convocados para depor, na expectativa de levantar provas contrárias ao movimento, criminalizar suas lutas, deslegitimar suas pautas e confundir a sociedade.
Embora tenha perdurado por quatro meses, a CPI foi encerrada por não conseguir levantar um conjunto comprobatório significativo e tão pouco desmoralizar o MST e os demais movimentos do campo.
IV Feira Nacional da Reforma Agrária, em São Paulo / Foto: Marcelo Cruz / Brasil de Fato
O espaço da 4° Feira Nacional da Reforma Agrária realizada pelo MST em São Paulo (SP), também foi plataforma de denúncia contra a "CPI do MST", demonstrando as contradições e o jogo de interesses do agronegócio em deslegitimar o movimento.
Em termos quantitativos, mais de 540 toneladas de alimentos foram comercializados no evento, todos produzidos em acampamentos e assentamentos de reforma agrária, por camponeses e camponesas. Além disso, mais de 35 toneladas foram doados para instituições de assistência social na capital paulista.
Compreendemos que as ações de comercialização organizadas pelo MST são experiências ímpares para dialogar com a sociedade, demonstrando a diversidade e a qualidade dos alimentos cultivados e beneficiados nos territórios do movimento.
História e presente
Os territórios do MST são conquistados pelo avanço da luta pela terra, desde as ocupações até a implantação dos assentamentos, transformando terras improdutivas, griladas ou devolutas em espaços de dignidade para milhares de famílias camponesas, na qual realizam sua vida, produzem alimentos agroecológicos e abastecem as cidades com comida saudável e nutritiva.
Desde 1984 até 2024, o MST tem nos ensinado valiosas lições sobre a importância de avançar na disputa de políticas públicas em favor das comunidades, construindo as condições de permanência nos territórios. Compreendemos que a luta pela terra não se finaliza com a conquista dos assentamentos, muito pelo contrário, é preciso continuar lutando para permanecer nela com qualidade de vida, garantindo que os direitos dos camponeses e camponesas sejam atendidos e assegurados pelo Estado.
Além disso, o MST tem intensificado suas articulações com outros movimentos das cidades, florestas e águas, contribuindo com suas lutas e avançando na construção de espaços e territórios de enfrentamentos ao agronegócio e às corporações transnacionais.
Agradecemos à equipe do DataLuta Agrário, em especial a Profa. Dra. Joana Vaz Moura (UFRN). Além disso, agradecemos a revisão do texto às companheiras Fernanda Matheus (MST), Lara Buscioli (Unesp), Michelly Ariadne (Unesp) e Eduarda Prado (MST).
* Wuelliton Lima é mestrando em Geografia na Universidade Estadual Paulista (Unesp), sendo membro do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (NERA) e da Rede Brasileira de Pesquisadores das Lutas por Espaços e Territórios (DataLuta)
** Bernardo Fernandes é professor titular no departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp. Coordenador da Cátedra Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial.
*** Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul