Política, sociedade e história: as Olimpíadas para além do quadro de medalhas
Geopolítica, questões sociais, direito ao esporte e episódios históricos. Mais do que uma competição, as Olimpíadas são um palco que reflete temas globais de interesse para todos os povos.
A começar pelo grave quadro de instabilidade política vivido pelo país sede, a França que, em menos de um mês, viu a extrema direita ascender em grande número de assentos para o Parlamento Europeu e disputar com reais chances o Parlamento do país.
A situação levou o presidente Emmanuel Macron a convocar eleições legislativas antecipadas, na esperança de barrar o avanço da ultradireita. O resultado foi outro: a coalizão de esquerda Nova Frente Popular acabou vitoriosa e agora negocia (e luta) com a direita "macronista" para eleger um primeiro-ministro.
Mas o presidente francês pediu uma trégua na disputa política enquanto ocorrem os Jogos, que começam oficialmente com a cerimônia de abertura de hoje (26). Um desfile inédito e já considerado histórico, que deve render boas discussões sociais e geopolíticas.
A chegada da delegação da Palestina, por exemplo, é um elemento de atenção ao denunciar o genocídio ao qual seu povo está sendo submetido no território da Faixa de Gaza. Desde outubro do ano passado, já são mais de 39 mil mortos e Israel não dá sinais de aceitar um cessar-fogo.
Mesmo assim, a delegação de palestinos foi recebida por uma multidão em Paris, o que demonstra a massiva mudança de opinião da população ocidental perante os crimes cometidos pelo exército israelense.
Israel, aliás, estará presente nos Jogos com uma grande delegação e não há menção do Comitê Olímpico Internacional (COI) para realizar o banimento da delegação de Israel pelo que os militares fazem em Gaza. Movimentos e países como Irã pressionam a entidade para que puna o país e o retire da competição.
O Comitê Olímpico da Palestina chegou a pedir que o COI utilizasse o mesmo critério que deixou a Rússia de fora dos jogos: a violação da chamada trégua olímpica, que prevê a suspensão de conflitos armados durante os sete dias anteriores ao início dos Jogos Olímpicos e sete dias após o final dos Jogos Paralímpicos. A tradição iniciada nos Jogos da Grécia antiga prossegue até hoje e, nas Olimpíadas de Paris, acontece de 19 de julho a 15 de setembro de 2024.
A violação da trégua olímpica em 2022 foi justificativa para o COI suspender Rússia e Belarus. Naquele ano, a pausa vigorou entre 4 de fevereiro e 20 de março para as Olimpíadas de Inverno de Pequim e, neste período, teve início o conflito na Ucrânia.
O banimento fez com que apenas 15 atletas russos fossem autorizados a participar dos Jogos de Paris sob condições draconianas: bandeira e uniforme neutros e um hino sem tema, criado especificamente para essa situação. Já atletas ucranianos não sofreram as mesmas sanções.
E mesmo com todas essas tensões — e antes mesmo da abertura — os jogos já começaram. O Brasil entrou em campo duas vezes no futebol e no handebol femininos e já duas vitórias, além de um bom desempenho no tiro com arco.
As previsões para os nossos atletas são boas. Ao Brasil de Fato, o deputado e ex-ministro do Esporte Orlando Silva disse que disse não ter dúvidas que o Brasil terá um "excelente desempenho em Paris" e que o esporte nacional sobreviveu ao governo de Jair Bolsonaro.
"Sofremos no governo Bolsonaro, sim. Mas mantivemos um certo nível de investimento nos esforços olímpicos", afirmou sobre o fechamento da pasta e a falta de investimento durante a gestão do ultradireitista.
Já o ex-ministro dos Esportes e membro do Conselho de Administração do COB, Ricardo Leyser, acredita que esses anos de interrupção nos investimentos terão impacto a partir da próxima edição dos Jogos.
"É importante lembrar que, para formar um atleta, são necessários seis, oito, dez anos, conforme o período a partir do qual você considera. Para levar um atleta a um evento como os Jogos Olímpicos, é preciso muito tempo, com apoio e investimento muito estável", disse.
Um dos pilares na formação de atletas brasileiros, o Bolsa Atleta completa 20 anos em 2024 e atende mais de 9 mil bolsistas. Além disso, o Brasil chega pela 1ª vez na história com uma delegação formada majoritariamente por mulheres.
As disputas políticas e sociais, no entanto, não são apenas as do presente. Há muita história e lutas pela memória dos Jogos. Por exemplo, a reivindicação do legado da União Soviética, que sempre é lembrada como uma potência olímpica.
O país e sua tradição esportiva foi tema do último episódio do 3×4, o podcast de política do Brasil de Fato. Nossos analistas lembraram como a Guerra Fria entre a URSS e os EUA se materializava nos jogos do século 20 e como, de alguma maneira, a disputa entre as principais potências da atualidade também pode se refletir nas Olimpíadas.
Ouça o episódio:
Segunda maior economia do mundo, a China vem crescendo em números de medalhas e, nas últimas edições dos jogos, ficou atrás dos EUA em medalhas de ouro. Fora das modalidades olímpicas, o país também só perde para os estadunidenses no PIB, mas aparece com um modelo alternativo de desenvolvimento, a chamada via chinesa ao socialismo, que inclui a participação do mercado regulada pelo Estado.
É muito provável que, quando você estiver lendo este texto, outros episódios de tensão política tenham acontecido em Paris. E é certo que você poderá ler e entender sobre eles aqui com a gente. Porque é assim que o Brasil de Fato cobre os Jogos Olímpicos Paris 2024: olhando além do quadro de medalhas, com uma visão popular do maior evento esportivo do planeta.
Um abraço e vai Brasil!
Lucas Estanislau
Coordenador de Internacional